Pode sobrar-nos mês depois do ordenado, mas não nos faltam figuras de
estilo. O ministro Pires de Lima lançou um eufemismo. Vocês sabem, aquela
conversa suave para atenuar uma verdade catastrófica, tipo "entregar a
alma ao criador" em vez de esticar o pernil. Ele não podia falar de novo
resgate para um público já farto de ser refém. Então, dourou a pílula e falou
de "programa cautelar". Parece caldo de galinha, não faz mal a
ninguém... Em todo o caso, um belo eufemismo. Ao mesmo tempo, um grupo fez uma
manifestação em Lisboa dizendo-se de apoio à troika. À partida, manifestar
contentamento por se albardar o País à vontade da burra (a troika,
comprovadamente incapaz) parecia masoquismo, mas não, não era nenhum distúrbio
psíquico, era outra figura de estilo. Desta vez, ironia. Coisa bem difícil de
fazer e por isso geralmente só utilizada, fininha, por queirosianos de boquilha
e chapéu alto. Ver a ironia trazida para rua e por gente irada foi das poucas
coisas boas que a crise nos trouxe. Sendo contra, diziam-se por, havia cartazes
("Abaixo as reformas" e "Vamos trabalhar mais"), gritos
("Acabou a mama") e discursos louvando "os nosso credores
fofinhos internacionais"... Provavelmente o eufemismo do ministro e a
ironia da manifestação não levam a nada, mas, pelo menos, preocuparam--se com o
estilo. Bem melhor do que a figura de urso de Paulo Portas que fez esta frase
rasa e indigna: "Os mais pobres não se manifestam."
Ferreira Fernandes
Hoje no DN
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