A entrevista que Teixeira dos Santos deu esta semana à TVI é um
documento histórico de enorme importância. Daqui para a frente, ninguém poderá
fazer a história das razões que levaram Portugal ao pedido de ajuda externa sem
referir este poderoso testemunho na primeira pessoa de quem participou na
construção de uma alternativa ao pedido de resgate e presenciou a formalização
das garantias de apoio do BCE e dos nossos parceiros europeus ao PEC IV,
entendido como solução para estancar o "efeito dominó" provocado pela
crise grega. A mensagem foi clara: Portugal foi forçado a pedir ajuda externa
porque, em plena crise das dívidas soberanas, as oposições à direita e à
esquerda se coligaram para rejeitar um PEC que tinha obtido o apoio formal da
União Europeia e do BCE.
A especulação sobre o que teria acontecido se o PEC IV tivesse sido
aprovado é uma discussão estéril, que só pode conduzir a conclusões
especulativas. Mas o testemunho de Teixeira dos Santos não veio trazer nenhuma
especulação. Trouxe, isso sim, um facto histórico inquestionável, sem o qual a
história estará sempre falseada. E o facto é este: havia uma alternativa ao
pedido de ajuda externa e essa alternativa, rejeitada no Parlamento (ante a
passividade do Presidente da República), contava com o apoio europeu. É claro,
nada disto será novidade para quem ainda se lembra das palavras secas que
Ângela Merkel dirigiu na altura a Passos Coelho ou da reacção dura da
chanceler, em pleno Parlamento alemão, quando teve a notícia da votação
ocorrida na Assembleia da República. Mas o certo é que estas banais evidências
históricas são hoje recebidas como se fossem "revelações" - foi assim
com Sócrates, depois com Lobo Xavier e Pacheco Pereira, é assim agora com
Teixeira dos Santos. A razão é simples: ao longo dos últimos anos, foi
construída uma versão deturpada da história, assente na supressão grosseira dos
factos inconvenientes, para justificar o assalto ao poder pelos partidos da
direita e atacar o Partido Socialista. A novidade é que essa versão falsa da
história já não está sozinha em campo e está a ser contraditada pelos factos.
Este vídeo é uma montagem do Nilton e um acrescento meu
O momento central da entrevista, recebido com estranha impaciência pela
entrevistadora, foi aquele em que Teixeira dos Santos recordou, uma a uma, as
datas das sucessivas descidas do "rating" da República e dos bancos
nos dias que se seguiram ao "chumbo" do PEC IV. Foi essa queda
abrupta dos "ratings" que provocou a subida exponencial dos juros e
que, em menos de quinze dias, deteriorou a um extremo insustentável as
condições de financiamento do País. E é esse, aliás, o contexto da célebre
declaração do ex-Ministro das Finanças, tantas vezes desvirtuada, de que
poderia chegar-se à situação de não haver dinheiro para "pagar salários e
pensões". Ao contrário do que maldosamente se quis fazer crer, essa
declaração não se referia a um pretenso esvaziamento dos cofres públicos
causado por um alegado "despesismo socialista" (com o Orçamento para
2011 o País estava até a gastar bastante menos do que no ano anterior!)
referia-se, sim, às consequências previsíveis do "chumbo" do PEC IV
no normal financiamento da dívida pública. E, de facto, foi essa rejeição
parlamentar, no dia 23 de Março de 2011, que traçou o destino de Portugal:
entre o "chumbo" do PEC IV e o pedido de ajuda, a 6 de Abril, não passaram
sequer quinze dias.
A entrevista de Teixeira dos Santos terá desiludido uma certa direita
política e mediática: nem alimentou "fofocas" sobre questões
pessoais, nem manifestou divergências sobre a justificação ou sequer sobre o
momento do pedido de ajuda - pelo contrário, subscreveu a narrativa que
Sócrates expôs na sua entrevista à RTP e desvalorizou, como se impunha, a
relevância de, "chumbado" o PEC, o pedido de ajuda ser formulado um
dia antes ou um dia depois. Não se desviou do ponto essencial: com o apoio
europeu ao PEC IV, o pedido de ajuda externa podia e devia ter sido evitado. Ao
fim de dois anos de austeridade "além da troika" e de uma dramática
espiral recessiva, com 18% de desemprego, 127% de dívida pública e 10% de
défice no primeiro trimestre deste ano, vai sendo tempo de se perceber quem é
que tinha razão.
Pedro Silva Pereira, Jurista
Pedro Silva Pereira, Jurista
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