Pode um homem sozinho dar cabo de um país?
‘Pode, se o deixarem à solta: é o que Vítor Gaspar está há quase dois
anos a tentar fazer a Portugal. Ele dará cabo do país e não deixará pedra sobre
pedra se não for urgentemente dispensado e mandado regressar à nave dos loucos
de onde se evadiu.
Já suportámos tudo a Vítor Gaspar: nove trimestres consecutivos de
previsões sucessivamente falhadas; erros de avaliação de uma incompetência
chocante; subidas de impostos que conseguiram o milagre de fazer cair a receita
fiscal; meio milhão de novos desempregados em menos de dois anos e milhares de
empresas chutadas para a falência; cortes cegos em tudo o que estava em marcha
para mudar o nosso paradigma de país subdesenvolvido — como a aposta na
investigação, na ciência, nas novas tecnologias, nas energias alternativas; um
despudor e uma arrogância a corrigir os erros cometidos com novos erros
idênticos, que, mais do que teimosia e obstinação suicidarias, revelam sim o
desespero de um ditador intelectual perdido no labirinto da sua ignorância.
Gaspar não sabe como sair do desastre em que nos meteu e, como um timoneiro de
uma nave em rota de perdição, ele já não vê nem passageiros nem carga, ou
empregos e vidas a salvar: prefere que o navio se afunde com todos a bordo e
ele ao leme. Sem sobreviventes nem testemunhas.
Vendo-o na sua última aparição pública, a dar conta das linhas
orientadoras do DEO, percebi que ele já não tem rumo nem bússola. Nem sequer
tem linhas orientadoras da estratégia orçamental ou do que quer que seja.
Apenas tem um número, que, aliás, vai sucessivamente engrossando à medida que o
desastre se vai tomando cada dia mais nítido: 1,3 mil milhões, 4 mil milhões,
6,5 mil milhões. Cada nova previsão falhada, cada novo erro de avaliação por
ele cometido, tem como consequência, não um pedido de desculpas ou a promessa
de se render e arrepiar caminho, mas antes a ameaça de mais e mais sacrifícios
sobre uma economia e um povo exauridos. Afinal, anuncia ele agora, a recessão
não vai inverter-se no final deste ano, como previra, mas só lá para 2015 ou 16;
afinal, o "desemprego ainda vai subir antes de começar a descer"
daqui a uns dois anos, talvez; afinal, a "sustentabilidade das contas
públicas", que nos diziam iminentemente assegurada, vai exigir sacrifícios
"para uma geração". Mas o que mais me choca ainda é o tom nonchalant
com que debita as novas ameaças, como se, milhão a mais milhão ou a menos, dois
anos a mais ou dois anos a menos, não fizesse grande diferença nas vidas
concretas de gente concreta, destruídas a mando da sua incompetência.
Sim, incompetência: porque o mais extraordinário de tudo é pensar que
Vítor Gaspar impôs ao país uma política de austeridade suicida que o conduziu a
uma das maiores recessões da sua história e sem fim à vista e, em troca, não
conseguiu as duas que ele e os demais profetas da sua seita de fanáticos
juravam ir alcançar sobre as ruínas do país: nem fez a reforma do Estado nem
controlou o crescimento da dívida pública — pelo contrário, perdeu-lhe o
controlo. Mas para onde foram então os 24.000 milhões de euros que as políticas
de austeridade de Vítor Gaspar roubaram à economia, às empresas e aos
trabalhadores e pensionistas, nestes dois anos? Sumiram-se para onde, serviram
para quê?
Incompetência, porque tudo aquilo que Vítor Gaspar sabe fazer e faz,
qualquer merceeiro, sem ofensa, sabe fazer: contas de somar e subtrair. Agora,
faltam-lhe 6,5 mil milhões? É fácil de resolver, basta agarrar numa caneta e
num papel.
Ora, vejamos: conta de subtrair — tiram-se 2 mil milhões aos
pensionistas e 3 mil milhões aos salários dos funcionários públicos. Temos 5
mil milhões, faltam 1,5.
Conta de somar: aumenta-se o IRS (o único imposto que ainda garante
retomo acrescido na receita fiscal). Aí estão os 6,5 mil milhões — a
"reforma do Estado". Mas alguém lembra então a Gaspar que isto vai
significar menos consumo privado e que menos consumo significa mais falências,
mais desemprego, mais subsídios de desemprego a pagar. Contrariado, Gaspar
volta a agarrar na caneta e desenha nova "medida de estratégia
orçamental", ou seja, nova conta de subtrair: tira-se meio milhão às
verbas do subsídio de desemprego. E quando alguém lembra ao ministro que o
subsídio de desemprego já foi reduzido na sua duração a um paliativo mínimo e
as suas regras de acesso, de tão restritivas que são, apenas abrangem 45% dos
desempregados, Gaspar responde: "Então, por isso mesmo, e, aliás, em
obediência ao princípio da igualdade, diminui-se a prestação aos que a
têm".
É assim que Vítor Gaspar governa o país, perante a aquiescência do
primeiro-ministro e a cumplicidade do Presidente da República. Eles sustentam
que tudo fará sentido e valerá a pena no dia em que Portugal regressar aos
mercados.
Não é um sonho, é um delírio: quanto mais o PIB cai mais sobe a dívida
pública, calculada em percentagem do PIB. E, quando olharem para nós, sem a
"protecção" da troika, o que irão os mercados ver? Um país em
recessão permanente, com a dívida sempre a subir e governado por Passos Coelho
e Vítor Gaspar. Em que filme de aventuras é que eles aprenderam que um país
assim é salvo por filantropos? Não, Gaspar não nos vai levar de volta aos
mercados, a não ser em condições de estertor final; ele vai é levar-nos de
volta a um novo resgate. E esse vai fazer-nos retroceder cem anos.’
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