Estive no Parlamento há uma semana, a assistir ao debate da coadoção.
E, como muitos outros, não consegui evitar a comoção ante o resultado. Tinha
ainda muito presentes as histórias de famílias que recolhera para a reportagem
que assinei no DN nesse dia, os nomes das crianças a quem aquela votação
reconhece não só que as suas duas mães e os seus dois pais de verdade e amor
serão também as suas duas mães e os seus dois pais de lei, mas que o
ordenamento jurídico português não lhes continuará a dizer que vivem em
famílias "com defeito".
Surpreendi-me com a votação como me surpreendi com o ambiente nos
corredores: abraços, sorrisos, uma quase beatitude. Um deputado do PSD
confidenciou: "É em dias assim que sinto estar aqui a fazer alguma
coisa." Se havia raiva - e houve, e há - não a vi ali. Acho que se calhar
quem tanto se opõe a que as crianças que vivem com casais do mesmo sexo sejam
protegidas como crianças "normais" foi apanhado de surpresa pelo
facto de o Parlamento português seguir o entendimento do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos (THDH), que em fevereiro obrigou a Áustria a mudar a lei que
impedia a coadoção em casais do mesmo sexo, certificando tratar-se de uma
discriminação inaceitável - a das crianças que vivem com essas famílias. Ou,
quiçá, quem assim pensa ignora a decisão do TEDH. Faz sentido: quem se opõe a
que a coadoção seja estendida a casais do mesmo sexo invoca geralmente a
"natureza". Se calhar não deu conta de estarmos a tratar de
legislação, que é uma coisa muito artificial que regula a vida em sociedade, e
de adoção, que é a forma de suprir a ausência de uma família biológica.
Consequentemente, não terá reparado que a lei portuguesa não impede um
homossexual de adotar, desde que o faça de modo singular, nem uma lésbica de
engravidar. Como não pode impedir estes homossexuais com filhos de viver em
união de facto ou de casar.
O que é que está, pois, em causa? Permitir que as crianças que foram
adotadas ou dadas à luz por homossexuais deixem de ser discriminadas e tenham
direito ao reconhecimento do outro membro do casal, unido de facto ou casado,
como responsável parental. Só isto, mais nada. Espantoso que haja quem, como o
bastonário dos advogados, Marinho e Pinto, se oponha a isto "em nome das
crianças", alegando que "ninguém lhes perguntou nada" e
comparando a coadoção em casais do mesmo sexo a maus tratos. Não sei se a
Marinho e Pinto, suposto ser um homem de leis, falta a coragem de defender que
a polícia vá arrancar estas crianças às mães e aos pais para as entregar a
instituições ou famílias que ele considere "certas" - sendo essa a
consequência lógica do que afirma. Mas tenho a certeza de uma coisa: não se
atreveria a olhar nos olhos estas meninas e meninos de quem fala com tão cruel
e arrogante irresponsabilidade e perguntar-lhes: "Olhem lá, têm a certeza
de que não preferem outros pais? É que eu acho que os vossos não prestam."
Sem comentários:
Enviar um comentário