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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Isaltino Morais:


Conheci-o em circunstâncias em que muitos portugueses se conheceram e que a partir daí fica uma união fraterna. A tropa a isso nos obrigava e com a ida para as províncias ultramarinas criava-se um maior grau de amizade. Reunimos-nos no Centro de Instrução Militar (C.I.M.) em S. Margarida, no dia dois de Março de mil novecentos e setenta e um, para nos aperfeiçoar na Instrução operacional, no chamado (i.o.o.), com a finalidade de a dezassete de Abril embarcamos para Angola.
De vários quarteis do País ali nos reunimos. Do C.I.C.A. 1 era o único. Não por ser Condutor-Auto-Rodas mas sim Rádio Telefonista que ali cumpria serviço militar desde Novembro de mil novecentos e setenta, altura em fui transferido do quartel de Caçadores 5 em Campolide após o finalizar da especialidade.
Em S. Margarida passei um mês e catorze dias, incluindo dez de licença de mobilização. Criaram-se laços de amizade e como é sabido nestes casos, como em tudo na vida, há os que prevalecem mais. Nos muitos soldados que faziam parte da futura Companhia de Caçadores 3341 apareceu o Isaltino Afonso Morais como Soldado Condutor- Auto- Rodas.
Logo ali no pouco tempo que esteve connosco deu para perceber o espírito de iniciativa que existia no Isaltino. A um pedido público feito pelo Capitão de Companhia, José Joaquim Lofren Rodrigues, para quem tivesse aptidões de fotógrafo ou que o fosse, para o denunciar, porque assim iria ser o fotógrafo da Companhia. De entre tantos apareceu um soldado que disse que não era fotógrafo mas que tinha umas luzes e material apropriado para satisfazer as pretensões. Logo ali ficou decidido que seria este. E quem era este soldado? Nada menos que Isaltino Morais.
Assim foram-lhe concedidos uns dias de licença com a finalidade de Isaltino praticar-se na terra com algum fotógrafo profissional. Nessa altura Isaltino vivia em Lisboa, é natural do concelho de Mirandela, mas há muitos anos residia em Lisboa onde era funcionário do (INE) Instituto Nacional de Estatística.
Chegados a Luanda, Angola, a vinte e seis de Abril de mil novecentos e setenta e um, fomos transferidos para Balacende a quatro de Maio de mil novecentos e setenta e um e partida a dezasseis de Marco de mil novecentos e setenta e três. Ali passamos quase vinte e três meses de comissão. 
Balacende só tinha o quartel. Distava de Quicabo, sede do Batalhão de Caçadores 3838, uns trinta quilómetros, com passagem pelas famosas Sete Curvas, com tão má recordação para as nossas tropas, cerca de sessenta quilómetros do Caxito e cento e vinte de Luanda.
Foto tirada por Isaltino Afonso Morais
Isolados de tudo e de todos só nos restava passar para recordação futura os “retratos” que Isaltino com muito esmero nos tirava. 
No princípio com menos qualidade mas à medida que o tempo progredia também notávamos essa progressão nas fotografias. 
A certo ponto Isaltino entrou em contradições com o Capitão da Companhia e a uma ordem do Comando Geral de Luanda a Companhia de Caçadores 3341 tinha de disponibilizar um soldado para fazer serviço na Casa de Reclusão de Luanda.
Perante tal oportunidade e derivado ao desaguisado entre Isaltino e o Capitão este entendeu que era a melhor forma de acabar com ele como fotógrafo. 
Assim Isaltino partiu e passados uns seis meses regressou ao nosso convívio mas nunca mais exerceu a função de fotógrafo da Companhia a não ser tirar umas fotografias a título gracioso aos seus melhores amigos onde eu estava incluído.
Todos os bocados de ócio ou descanso era vê-lo de livro debaixo do braço. Preparava-se para a sua vida futura. 
Como disse, Isaltino dava mostras de ser um líder nato. Era soldado mas tinha mais aptidões de liderança que qualquer oficial que existia nos vários pelotões da minha Companhia.
Passado este tempo e contratempo deu-se o nosso regresso. Faz hoje precisamente quarenta anos que por volta da uma hora da manhã aterramos no aeroporto de Figo Maduro e fizemos o nosso espólio no RAL1. Cada um seguiu para a sua terra para dar rumo à sua vida.
Até que passados uns dois anos recebi um convite para comparecer, caso pretendesse, é claro, para um encontro do Batalhão, no Restaurante Galope – julgo eu se a memória não me atraiçoa, o que é raro – próximo do Quartel de Cavalaria 6, para os lados da Ramada Alta, do Furriel Oliveira, da Companhia de Comando e Serviços (C.C.S.) para convivermos e matarmos saudades.
Lá compareci e encontrei alguns soldados da minha Companhia entre eles, o Isaltino. Conversamos da nossa vida do que a Revolução do Vinte e Cinco de Abril nos trouxe ou tirou e vi que o Isaltino tinha preferências pelo CDS. Tudo bem. Cada um tem as suas preferências e devemos respeitar essas opções.
Tempos depois ao ver um concurso na RTP, nessa altura não havia as televisões privadas, vi o Isaltino como porta-voz de um grupo que concorreu a esse concurso a representar uma universidade de Lisboa que não recordo o nome. Fiquei contente. Vi que Isaltino continuava a preparar-se para a vida.
Até que um dia ao ver o noticiário das treze horas, na RTP1, vejo referências ao Presidente da Câmara de Oeiras. E quem era esse presidente? Isaltino Morais. Pois claro! Não fiquei surpreendido porque sempre vi no Isaltino um lutador. Até que surgiu a sua passagem como Ministro do Ambiente, do governo do PSD e, o seu regresso novamente à Câmara de Oeiras. O resto é sabido.
Mas tudo o que é dito tem verdades e vinganças. Estou como disse Marinho e Pinto no programa Justiça Cega que aqui há bastante ódio pela figura de Isaltino e que regra geral o juiz quando o réu é primário dá-lhe pena suspensa mediante certas condições. Com ele não acontece isso. Será o problema da mediatização. Acho que sim. A comunicação social contribuiu para isso e de que maneira.  
Como referi numa parte deste texto a tropa faz-nos ganhar amizades que nunca julgávamos possíveis para toda a vida. 
Sei também que alguns estão se divertindo com esta situação. Não é o meu caso.
Por isso, no dia que faz quarenta anos do nosso regresso, aqui deixo uma prova de solidariedade para com Isaltino Afonso Morais de quem fui, sou e sempre serei amigo. Os amigos vêem-se nas contrariedades.

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