Rádio Freamunde

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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Personagens de Freamunde:

Vai uma suecada? Já tenho parceiro, aliás, só preciso que segure as cartas. Depois de sentados, prontos a disputar o jogo, lá vinha a frase do costume: - “já perderam! Querem jogar mais?” - Era um prazer dialogar com ele. Tinha adquirido vivência e sabedoria quanto baste. 
Mas não foi sempre assim. Noutro tempo, mais longínquo, passou por muita privação. Lembro-me de o ver passar no lugar da Bouça - onde eu morava - com um livro debaixo do braço a caminho da bouça das “austrálias” que ficava no limite de Freamunde e o lugar de Parada em S. Pedro da Raimonda. 
Corpo sempre rectilíneo, olhar fixo, dava-lhe um aspecto senhoril. Quem não soubesse de quem se tratava dizia que ali ia um fidalgo. Mas nem tudo que reluzia era ouro! 
As dificuldades por que passava por não comungar com as ideias do pai que o queria empregar num ofício contra sua vontade. Havia quem dizia que comia às escondidas do pai, porque ele - pai -, entendia que só tinha direito a comer quem trabalhasse. 
A mãe, coitada... guardava sempre uns restos para ele depois tragar. Se não fossem os amigos e alguns familiares era mais os dias que nada comia. 
Depois começou-se a constar que fazia mal às crianças. A minha mãe para me meter medo para não ir para a brincadeira com os meus amigos, dizia: - olha que vem aí o “Poeta”. - Ficava com receio mas o gosto pela brincadeira era tanto que mesmo assim a preferia. 
Nesse tempo falava-se muito do “Vilarinho”, um famoso salteador que toda a gente temia. - Não! O “Poeta” não é nenhum Vilarinho.  Não faz mal às crianças. 
Esta frase era dita por mim em voz baixa depois de ter passado por ele no caminho de Trás-do-Muro-de-Panelas por onde passava diariamente para se deslocar para a bouça das “austrálias. 
Esse itinerário era frequentemente usado por mim e pelo “Poeta”. Ele morava no lugar de Além-do-Rio e eu deslocava-me várias vezes para o de Freamunde-de-Cima para casa dos meus avós. 
Os anos foram passando e o Joaquim Nogueira, era este o seu nome, teve merecimento e sorte de ir trabalhar como empregado de escritório na fábrica de fiação e tecelagem de Luís Teles Meneses (Luteme). O que sempre almejou. Já tinha uma certa idade. Julgo que seu pai não o viu nessa função, aliás, a única. 
A sua vida a partir daqui começou a sorrir e teve oportunidade de retribuir a certos amigos o bem que lhe tinham feito. Era solteiro e solteiro morreu. 
Muitas vezes foi solicitado para tertúlias e apresentar certos espectáculos realizados na antiga Praça do Mercado. O seu timbre de voz e a sua cultura era um valor acrescentado. Quem dera hoje a uma grande parte de locutores e apresentadores de espectáculos possuir um terço do seu valor.
Mais tarde convivi com ele. Era um parceirão. Gostava de pagar a despesa que fazíamos. Talvez porque noutros tempos não o podia fazer e outros o faziam em seu lugar. 
Uma noite antes de iniciarmos o jogo da sueca contei-lhe o medo que sentia quando passava por ele no caminho de Trás-do-Muro-de-Panelas derivado ao que a minha mãe me dizia. 
Sorriu e perguntou-me. - Achas-me com cara disso? Não era a tua mãe a única a proferir essas palavras. Já alguns me contaram essa história. Vamos ao que interessa. Só preciso de parceiro para segurar as cartas. Vocês já perderam! Querem jogar mais?

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