Rádio Freamunde

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sábado, 30 de junho de 2012

O futebol e a ópera:



Gostava que a Itália ganhasse à Espanha na final do Europeu de dois mil e doze que se realiza amanhã em Kiev na Ucrânia. Nada tenho contra os espanhóis e não sou fã dos Italianos. Simplesmente pelas preferências de Platini. Desde sempre ouvi dizer que as contas só são validadas depois da prova. Ou que só se lavam os cestos depois da vindima. Assim aconteceu a Platini. Enalteceu espanhóis e alemães e portugueses e italianos foram rebaixados. De certeza que ficou decepcionado quando viu o árbitro dar por findo o prolongamento do jogo entre Portugal e Espanha e julgo que só sorriu quando Bruno Alves falhou o quarto penálti e Fábregas concretizou o quinto espanhol. Mas o caldo ia-se entornar ao outro dia.
A história das fases finais dos campeonatos europeus e mundiais dizem-nos que os alemães nunca levaram a melhor sobre os italianos. Platini desejou a final entre Alemães e Espanhóis. A imprensa desportiva europeia e as casas de apostas davam significado a esta pretensão. No Portugal x Espanha as pretensões estavam satisfeitas, a Espanha com sorte lá ia à final. Cinquenta por cento estavam resolvidos, faltavam os outros cinquenta. O seleccionador e a equipa italiana não deviam ficar satisfeitos com a consideração que estavam a ser votados. Não há vencedores antecipados e aqui, julgo, que usou o discurso do maestro Ricardo Muti, aquando dos cento e cinquenta anos da unificação de Itália, no Teatro de Roma, com “Va Pensiero”, de Giuseppi Verdi.  
Tradução
Va´Pensiero / Voa, Pensamento / Va', pensiero, sull'ali dorate, / Voa, pensamento, com tuas asas douradas; / va', ti posa sui clivi, sui colli, / voa, pousa-te nas encostas e no topo das colinas, / ove olezzano tepide e molli  / onde perfumam mornas e macias / l'aure dolci del suolo natal! / as brisas doces do solo natal! / Del Giordano le rive saluta, / Cumprimenta as margens do rio Jordão, / di Sïonne le torri atterrate... / as torres derrubadas de Jerusalém... / Oh mia patria sì bella e perduta! / Oh minha pátria tão bela e perdida! / Oh membranza sì cara e fatal! / Oh lembrança tão cara e fatal! / Arpa d'or dei fatidici vati, / Harpa dourada dos grandes poetas, / perché muta dal salice pendi? / porque agora estás muda? / Le memorie nel petto raccendi, / Reacendas as memórias no nosso peito, / ci favella del tempo che fu! / fala-nos do bom tempo que foi! / O simìle di Solima ai fati, / Como Solima fez como o destino / traggi un suono di crudo lamento, / traduz em música o nosso sofrimento, / o t'ispiri il Signore un concento / deixa-te inspirar pelo Senhor / che ne infonda al patire virtù!  / porque nossa dor se torne virtude!
"No dia 12 de Março de 2011, Sílvio Berlusconi teve que enfrentar a realidade. A Itália festejava o 150º aniversário da sua unificação e, entre as muitas comemorações da importante data, uma se deu na Ópera de Roma, com a apresentação da obra “Nabucco”, de Giuseppi Verdi, dirigida pelo maestro Ricardo Muti. Antes da apresentação, Gianni Alemanno, prefeito de Roma, subiu ao cenário para pronunciar um discurso denunciando os cortes no orçamento federal dirigido à cultura que haviam sido feitos pelo governo, do qual o próprio Alemanno é membro e velho amigo de Berlusconi. Esta intervenção política num momento cultural dos mais simbólicos para a Itália produziria um efeito inesperado, ao qual Berlusconi, em pessoa, foi obrigado a assistir. Segundo relatado por Ricardo Muti, “… A princípio houve uma grande salva de palmas pelo público. Logo começámos com a ópera. Tudo correu muito bem até que chegamos ao famoso canto Va Pensiero. Imediatamente senti que a atmosfera entre o público se ia tornando mais e mais tensa. Existem coisas que não se consegue descrever, mas as sentimos. Era o silêncio profundo que se fazia sentir! Mas, no momento em que o público percebeu que começavam os primeiros acordes de Va Pensiero, o silêncio se transformou em verdadeiro fervor. Podia-se sentir a reacção visceral dos presentes ante o lamento dos escravos que cantam Ó pátria minha, tão bela e perdida… Assim que o coro chegou ao fim, pudemos ouvir vários pedidos de bis. Começaram os gritos de Viva Italia e Viva Verdi. As pessoas nas galerias jogavam pequenos papéis escritos com mensagens patrióticas”. Apenas uma única vez Muti havia aceitado fazer um bis de Va Pensiero, em uma apresentação no La Scala de Milão em 1986, já que a peça exige que seja executada do princípio ao fim, sem interrupções. “Eu não pensava em fazer apenas um bis”, disse o maestro , “teria que haver uma intenção especial para fazê-lo”, contou. Então, num gesto teatral, Muti se voltou ao público – e a Berlusconi – e disse: “Logo que cessaram os gritos de bis, vocês começaram a gritar Longa Vida à Itália. Sim, estou de acordo com isto: Larga vida à Itália!. Mas… já não tenho trinta anos e vivi minha vida. Rodei o mundo e, hoje, tenho vergonha do que acontece em meu país. Por isso, vou aceitar seus pedidos para apresentar Va Pensiero novamente. Não só pela alegria patriótica que sinto neste momento mas, sim, porque enquanto dirigia o coro que cantou Ai meu país belo e perdido pensei que, se continuarmos assim, vamos matar a cultura sobre a qual erguemos a história da Itália. E, nesse caso, nossa pátria também estaria bela e perdida. Durante anos mantive minha boca fechada mas agora, creio que precisaríamos dar sentido a este canto: estamos na nossa casa, o Teatro de Roma, com o coro que cantou magnificamente bem e com a orquestra que o acompanhou esplendidamente. Se quiserem, proponho a vocês que se unam a nós para que cantemos todos juntos”.Assim, o maestro convidou o público a cantar junto com o coro dos escravos. Muti continua sua narrativa: “Vi grupos de gente levantar-se. Toda a Ópera de Roma se levantou. E o coro também. Foi um momento mágico! Essa noite não foi apenas mais uma representação de Nabucco mas, também, uma declaração no Teatro da Capital italiana para chamar a atenção dos políticos”.
Como disse, julgo que foi este discurso que o seleccionador italiano incutiu no seio da equipa, se não foi, a mim foi a que veio à memória depois de ver a determinação com que os jogadores se empregaram ao jogo e nessa hora talvez dissessem. Ó Selecção minha, tão desprezada, pelo dirigente da UEFA e pela imprensa europeia mas é dentro do campo que se vê quem está perdido!
Não costumo vibrar com os golos a não ser do meu clube – Freamunde – e da selecção Nacional mas neste senti o mesmo efeito e lá vibrei. Para que tudo corra pelo melhor amanhã não me importava de vibrar outra vez pela Itália.      

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