Rádio Freamunde

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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Coscuvilhice:

Estava um amontoado de gente em frente ao café Popular. Discutiam a bom discutir uns com os outros. Todos os domingos era normal este tipo de situação. Depois dos jogos de futebol terem acabado juntavam-se ali os que foram ao futebol e os que queriam saber “novas” sobre o desenrolar do jogo, porque raramente os iam assistir, mas afirmavam que sabiam mais sobre as incidências do jogo.
O facto de sofremos aquele golo e com isso o empate foi o treinador não ter faro para as substituições. Nunca acerta. Quando deve tirar um defesa porque a equipa está a perder, tira um avançado, quando a equipa está a ganhar tira um defesa. Não sei em que livro estudou esta táctica. Comentava o Luís Paiva do alto da sua sapiência sobre futebol.
Só numa coisa é que não estou de acordo contigo - dizia o Zé “Tarameleiro”. Não é faro que deves dizer mas sim olfacto. O faro emprega-se ao cão e o olfacto ao ser humano.
Já sei que vens com a tua de... intelectual - respondeu Luís Paiva. Sabes que no futebol não os há. Põe um doutor, um engenheiro e um operário a ver um jogo do seu clube e durante esse jogo diz-me qual é um e quais os outros dois. Quero dizer com isto que quando há paixão não há razão. Bem dito e ainda dizias que o Zé “Tarameleiro” é que tem a mania de ser intelectual e tu o que és? - Foi assim que o Quim “Palheta” entrou na conversa.
Após a celebração da missa das sete o café Popular recebia os seus clientes para jogarem uma partida de dominó, de damas, caso do Maximino “Gordo” e Zé Maria “Paralelo”, outros para falar da vida alheia, futebol, ciclismo e outros assuntos, de política não falavam, o quartel da Legião Portuguesa era a dois passos dali e podiam ter complicações. Todos os domingos quer fosse de manhã ou de tarde davam-se estes confrontos verbais.
Todos os jogadores eram “cortados” na casaca. Se jogou bem, podia ter jogado melhor, se não estivesse a namorar até às tantas horas da noite, não se sabe o que a namorada lhe fez, pois é habitual empregar mais velocidade às suas jogadas. Se a exibição foi menos conseguida diziam: não foi namorar porque anda zangado com a namorada, assim ela não o conseguiu aliviar e não podia com o cu. O que valia é que chegavam as dez horas e todos se dirigiam para o campo do Carvalhal para assistir ao jogo de futebol que os juniores iam disputar.
O café Popular perdeu quase todos os seus clientes, até o Maximino “Gordo” o seu companheiro de damas. Quem também não ganhou com isto foi o árbitro que mal entrou em campo levou uma rodada de filho da “mãe” e um vê como te portas, não tenhas a mesma postura que há um mês, em que prejudicaste a nossa equipa sénior em Amarante. Cala-te! Deixa o homem em paz. Ainda não começou o jogo e já atribuis defeitos ao árbitro. Para ti eles só são bons quando favorecem o Freamunde - dizia o Gusto da ”Rosa”. Não é bem assim! Não te lembras quando houve a invasão ao campo, fui um dos que foi defender o árbitro - respondia o Quim “Barbeiro”. Muita gente ficou admirada! Até há quem diga que tomaste aquela resolução depois de veres o sargento da guarda com a coronha da arma na tua direcção - atirou o Manel da “Marília”. Por acaso não! Mas que o gajo vinha na minha direcção lá isso vinha. Mas eu sei o motivo - defendia-se o Quim “Barbeiro.
O jogo terminou com uma goleada sobre o Felgueiras. Tínhamos uma boa equipa, assim como o Amarante. Eram os dois que iam à frente na classificação geral com o mesmo número de pontos. Domingo o Freamunde desloca-se ali e termina a primeira volta. Vai ser um jogo de real importância para ambos. O empate para nós é bom. Ou perdermos pela diferença mínima para depois em Freamunde tentar ganhar-lhes no goal-average e sermos campeões distritais. Com isso, vamos disputar o campeonato nacional de juniores.
Foi chegar a casa, comer e voltar para o café Popular - desabafava o Luís Paiva. Sabes o que disse a minha mulher! - Retorquiu o Zé “Tarameleiro”. Para o próximo domingo vou-te levar o almoço ao campo do Carvalhal. - Oh mulher até calhava bem, assim não me cansava na deslocação para casa, por acaso já não faz isso de segunda a sábado quando o levas ao local de trabalho? Era o que querias! - Respondeu a minha mulher e continuou que quando começa a falar nunca mais se cala, não fosse ela minha mulher, e o apelido que tenho. E continuou - tenho direito a descansar e ter tempo para ouvir a radionovela “Simplesmente Maria”. A repetição dos episódios da semana anterior era entre o meio-dia e as quinze horas.
Quem ouviu o noticiário das doze horas na RDP? Perguntava o Rui Lopes. Noticiaram que o Ribeiro da Silva ia sair do Académico do Porto mas não disseram para que clube ia. Pensei que era para o Benfica. Isso é que era bom, era uma mais-valia e com os corredores que o Benfica já tem, aventurava-se a ganhar todas as provas - disse o Zé Lopes. Olha que não. Estás a desprezar o Alves Barbosa - estas palavras saíram da boca do Zé "Tarameleiro" que estava metido em todas, por isso o apelido que lhe puseram. Também não compreendo a tua posição! No futebol és pelo Freamunde e pelo Benfica, no ciclismo pelo Sangalhos. - Calma aí. - Não sou pelo Sangalhos, sou adepto dos Alves Barbosa, interrompeu-o o Zé "Tarameleiro". - Mesmo assim se calhar no hóquei em patins és pelo Porto, não compreendo os vossos gostos. Eu no futebol sou pelo Freamunde, e pelo Benfica em todas as modalidades, mas não fico triste por o Ribeiro da Silva ganhar a volta a Portugal, ou outras provas, por ser daqui da beira e estar quase sempre em Freamunde e até julgo sócio de todas as colectivades que aqui existem, por isso, gostava de o ver com a camisola do Benfica - rematou o Zé Lopes. Para acabar com a conversa que, quando se virava para o ciclismo, só se falava do Ribeiro da Silva e Alves Barbosa, o Rui Lopes disse que estava na hora de irem para o Carvalhal; sabia que se continuassem na mesma lenga, lenga, o Zé "Tarameleiro" ia dizer que o que o levava a não gostar do Ribeiro da Silva dava-se ao facto de ele ser de Lordelo e quando ali trabalhou, foi explorado pelo patrão, que lhe faltou com as regalias sociais e por via disso os filhos não tiveram direito ao abono de família e que a partir daí não pode mais com Lordelo e seus habitantes.
Nesse domingo o Freamunde jogava um jogo de real importância para a classificação geral. Tínhamos de ganhar por uma diferença de duas bolas. Ia ser difícil. O Oliveira do Douro tinha uma boa equipa, o segundo lugar que ocupava na tabela classificativa dava provas disso. Mas o nosso terceiro dava-nos um certo conforto e se ganhássemos por essa diferença quase que tínhamos a garantia de nos classificarmos até ao quinto lugar. Nessa altura não havia a Terceira Divisão Nacional, fixa. Eram apuradas as cinco primeiras equipas da Associação de Futebol do Porto, três da Associação de Futebol de Braga, duas de Vila Real, Bragança e Viana do Castelo. Disputavam uma poule, que era chamada Terceira Divisão Nacional, para apurar a vencedora de cada série: Norte, Centro e Sul que acediam à segunda Divisão Nacional.    
Hoje gostei da maneira como o Freamunde jogou e até o treinador teve faro para as substituições - dizia o Luís Paiva. Lá vens tu novamente com os adjectivos que usaste no outro dia. Mas não me vou repetir porque isso é chover no molhado como se usa dizer - dizia o Zé "Tarameleiro". Agora deste numa de filósofo - contrapunha o Luís Paiva. Não me digam que vos vamos aturar novamente com essas discussões, o que importa é que ganhamos com custo e aquele golo a acabar o jogo veio como ouro sobre azul. Além dos dois pontos há o goal-average que nos dá, em caso de igualdade pontual, para ficarmos à frente deles na classificação geral, o que quer dizer que este jogo valeu três pontos - disse o Gusto da “Rosa”.
Nesse instante sai da tasca do Américo, para quem não saiba, o café Popular era pertença do Américo “Caixa”, além do dito café, tinha um pequeno restaurante e uma tasca aonde iam vários clientes esquecer a azáfama de uma semana de trabalho, as agruras da vida e certos desamores, nas canecas de vinho, de quartilho e de litro. Faziam-no com tal sofreguidão que se esqueciam do álcool que o vinho contém, perdiam as regras da boa educação e saiam dali a dizer certos impropérios e adjectivavam quem por azar se cruzasse com ele. Era o que nesse momento acontecia com o Chico “Pardal”, o que levou o Quim “Barbeiro” a solicitar. - Não lhe vamos dar trela (conversa) por que senão vamos ouvir das que não queremos. Estás enganado disse o Luís Paiva - comigo, ele já sabe o que lhe toca: desprezo. Já valeu as indirectas que ele me dava. Mas sabeis o que lhe fiz? Usei a lição que a minha mãe me deu quando era novo e que passo a contar. Um dia estava a minha mãe a arrancar as penas das asas das nossas galinhas e eu perguntei. Porque faz isso às galinhas, mãe? Ao que obtive como resposta. - Vês o galinheiro. É fechado por todos os lados menos por um: o de cima. - Como uma ilha! - Acrescentei eu. - Sim meu filho. - Retomou a conversa a minha mãe. Pelo que vejo o professor Valente já vos está a dar a disciplina de Geografia, mas como estava dizendo, tens visto as queixas que os nossos vizinhos me fazem sobre a ida das nossas galinhas para o quintal deles? - Ainda noutro dia a Se Rosa foi mal-educada para consigo por causa das galinhas, mas a mãe também lhe disse das boas! - A partir daí, resolvi cortar-lhes as penas das asas para elas não voarem que era esse método que elas usavam para escapulir dali, pois a rede que envolve o galinheiro não tem nenhum buraco por onde elas passassem - finalizou a minha mãe.
O Zé “Tarameleiro” que ouviu esta narração com particular atenção no final exclamou. Depois sou eu o intelectual! Olha que não sabia esta história que contaste mas, fica sabendo, que a vou usar daqui para o futuro com os meus detractores. Não lhes posso cortar as asas porque não são aves mas, posso-lhes cortar o pio que, conversas, eles não têm e... reparem na figura que vai a fazer o Chico “Pardal”.
Nesse instante passaram duas “beatas” que iam para a missa das dezanove horas e uma comentou para outra em voz audível. - Não percebo estes homens: dizem que as mulheres são umas coscuvilheiras, que andam a revelar a sua vida e a alheia nos lavadouros públicos e o que é que eles estão ali a fazer? Não é uma devassa pública? E olha para o estado que aquele vai - aqui referia-se ao Chico “Pardal” - dá um passo para a frente e dois para trás, o que levou a outra a responder: - Nesse andar cada vez está mais longe de casa se é para lá que ele vai.

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