O chilrear dos pássaros, o azul celeste do céu, o cheiro que vinha dos
pinheiros e eucaliptos, tudo me fazia compreender que se estava em plena
Primavera. Tinha acordado há pouco e da janela do meu quarto presenciei tudo
isto. Até o melro que já não comparecia há uns dias, talvez pela chuva que
tinha caído, fez a sua aparição, o seu cantar era tanto que me fez pensar que
era para retribuir os dias em falta.
Tal como o melro, durante esses dias de chuva permaneci em casa. Não
gosto da chuva. Entendo que só devia de chover a partir das vinte e quatro
horas até às seis. Assim, só os noctívagos é que suportavam essa coisa triste
que é a chuva.
Como a manhã prometia, saí de casa e fui até ao centro da cidade. Se a
minha admiração era bastante sobre o dia, mais ficou, com o que me foi dado ver
sobre a modificação que tinha sofrido o centro cívico de Freamunde! Desde a
Palmeira ao Cruzeiro era um regalo a sua paisagem. A relva, o jardim, a cascata
de água que fazia o retorno entre esses dois lugares, os espaços pedonais que
existiam entre os socalcos, era um mar de gente a percorrê-los; os bancos públicos
com várias pessoas de idade a recordar tempos idos, os baloiços e escorregas
para os putos brincar, os candeeiros que tinham uma arquitectura digna de se
ver, estava ansioso por ver a sua iluminação, o que me ia dispor a sair nessa
noite para ver os efeitos luminosos. Como Freamunde tinha mudado!
A limpeza era outra. Ao contrário do que vinha sucedendo dava gosto
passear pelo centro cívico. Qualquer pessoa ou fumador já não deitava os papéis
ou piriscas para o chão. Havia asseio. Antes por tudo e nada só se via lixo.
Até os que urinavam ao canto do campo da feira - hoje parque de estacionamento -
deixaram de o fazer. Quando se prime pela limpeza a higiene aparece.
As pessoas já não se deslocavam tanto para o Parque de Lazer. Agora no
centro cívico acotovelavam-se umas às outras. Não era para menos. Os
reformados, desempregados e as crianças mereciam este benefício. E nada melhor
para uma terra como ter os seus habitantes a passar o seu tempo de lazer no
coração da cidade. A alegria era enorme! Todos esperávamos esta obra.
Notava-se que era do agrado de quase todos os Freamundenses. Havia um
ou outro que discordava. Há em todas as terras um... velho do Restelo. Eu
estava encantado! Olhava em todas as direcções e só via rostos felizes. Naquela
altura gostava de encontrar o Presidente da Junta para lhe dar os parabéns.
Sim, quando eles trabalham em prol do bem público só nos resta o agradecimento.
Assim como nas más decisões os criticamos, nas boas, o agradecimento fica bem,
embora saibamos, que a condição única é o bem-estar da comunidade local.
Bem o queria encontrar. Olhava para um e outro lado e não vislumbrava a
sua figura. É normal nestas ocasiões eles fazerem as suas aparições públicas
para receberem felicitações. Continuava a olhar e não havia maneira de o ver
até que ouvi uma voz: - O café está a ficar frio. Já é a segunda vez que te
chamo e não há maneira de acordares! - Era a voz da minha esposa a acordar-me
como era normal todos os dias. Só que desta vez me deixei embalar pelo sonho do
arranjo do centro cívico.
Fui à janela espreitar como estava o dia e ver se o melro se encontrava
ali. Mas… não estava. Se estivesse já me tinha alertado com o seu cântico. A
chuva continuava a cair. Depois do banho e do pequeno-almoço dei uma saltada ao
centro de Freamunde para me inteirar da realidade ou do sonho. Ansiava com o
que ia deparar. Dava não sei o quê para que não tivesse sido um sonho. Mas…
infelizmente era.
Chegado ali a primeira coisa com que deparei foi a de um sujeito a
fechar a carcela das calças: vinha de urinar do referido canto. Estava tudo
como dantes! O quiosque abandonado aos ratos, a sujidade prevalecia, o lago
estava vazio o que dava para ver os artefactos que fazem movimentar a água e os
reflectores de luzes com bastante ferrugem, as ervas daninhas cresciam e
floresciam cada vez mais entre os paralelos de cimento.
Não se encontrava vivalma. A não ser o senhor Alfredo “Cherina” e o
José Maria “Veloso” em alegre cavaqueira debaixo de um abrigo junto ao lago por
que a manhã continuava chuvosa; umas quantas desempregadas/os a deslocarem-se
para a junta de freguesia, para marcar a sua presença na unidade do centro de
emprego, que de quinze em quinze, têm de o fazer para receber o subsídio de
desemprego.
Vim para casa aborrecido. A minha visão durante o sonho estava
desvirtuada. O que fazer? Convencer-me que não há solução para o centro cívico.
Temos o que merecemos.
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