Rádio Freamunde

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sábado, 20 de agosto de 2011

"Coisas minhas" de Fernando Santos

II – FREAMUNDE ESQUECIDA

 Diz a sabedoria popular, num dos seus indesmentíveis e acertados aforismos, que “ o que é de mais é moléstia”… E a mais recente moléstia que, pela sua proliferação, se implantou entre nós é a das chamadas “Rádios Locais”. Em Portugal, neste momento, li algures, há mais de mil!!!...  A coisa dá que pensar e chega a ultrapassar o nosso entendimento. Como surgiu esse súbito surto de vocações radiofónicas? Porquê esta fremente necessidade de comunicação? O que leva ao urgente desejo de transmissão, pelo microfone, daquilo que a grande maioria não seria capaz de dizer de viva voz?! O homem é, na realidade, um animal complicado e… não há nada a fazer.
Longe de mim pretender censurar este movimento que reputo de grande importância para a divulgação cultural, se inteligentemente aproveitado. E se empreguei o termo “moléstia” foi porque, com efeito, as emissoras são em tal profusão que não cabem no limitado quadrante dos nossos aparelhos receptores e estorvam-se umas às outras, sobrepõem-se empurram-se, acotovelam-se desesperadamente… e, como na vida, as mais fortes acabam por abafar as mais fracas, sem que nenhuma delas consiga fazer ouvir de forma aceitável, o que, no caso de algumas, até chega a ser vantajoso.
Confesso que é muito raro ouvir rádio, a não ser nas minhas deslocações de automóvel. Há dias saí de casa a ouvir a 5ª de Beethoven que, logo ao desfazer a curva da “Fonte dos Moleiros” se transformou numa música de ritmo moderno, de nome muito comprido, pelo locutor anunciado em tom desinibido e gutural e no momento mais puro “americanês”, brilhantemente berrado por uma cantora de nome duvidoso que o “põe discos” vomitou com desembaraço, enquanto afirmava: “você conhece!”. Mal eu tinha começado a revolver o baú das minhas reminiscências à procura do nome da tal esganiçada que o homem afirmava, convicto, ser do meu conhecimento e, já na curva de Sobrão, um comentador desportivo, com muito xx na pronúncia, defendia a grande vantagem para o futebol nacional no alargamento das divisões para 20 clubes; esperava eu poder confirmar, pelo assunto e pelo local, se estaria agora a sintonizar a “Pro-Paços”, quando um teimoso fado da Amália entrou em disputa da onda com um animado jogo da “batalha naval”… Foi quando reparei que já estava a descer a Serra da Agrela e que, em cada curva, o rádio me oferecia coisas novas, sem necessidade de lhe mexer nos botões: na altura era “slogan” publicitário, que uma tal Maria de Jesus estava a ser obrigada a papaguear se queria ver satisfeito o seu desejo de ouvir o Rui Veloso, e logo fiquei a saber que sicrano tinha afundado um submarino a beltrano, ouvi o começo de uma anedota de almanaque, interrompida por um furioso a dizer Fernando Pessoa, acompanhado em fundo por um “blue” espiritual, e reatada mas só no momento em que o “anedotista” ria perdidamente e comentava, sufocado, que aquela era muito boa (a anedota, é claro); então comecei a ouvir dados biográficos de Lizt, penosamente lidos directamente de um volume de uma enciclopédia que, talvez pelo seu peso e pelo mau jeito que dava ler aquilo ao microfone, caiu ao chão estrondosamente, com grande desespero do infeliz locutor, que a tempo conseguiu evitar uma interjeição menos própria (embora compreensível …), pedindo, com elegância, desculpa aos prezados ouvintes por aquela avaria técnica… E já os “UHF” tentavam entrar nesta salsada quando decidi desligar o rádio e oferecer a mim mesmo o repousante silêncio que já merecia; Uff!
Mas fora desta promiscuidade que, um receptor fixo, em nossa casa, facilmente delimita, entendo que o movimento é fortemente positivo e, sobretudo para as camadas jovens, de grande interesse pelo aspecto cultural a que, quer queiram quer não, obrigatoriamente conduz.
Eu sou, pois a favor das Rádios Locais, quando estas não se limitam a serem simples “toca discos” e os locutores são capazes de ultrapassarem a triste função dos “disco-jockeys”. E foi com um agradável sobressalto que acolhi a primeira emissão do nosso posto de Freamunde, terra que, uma vez mais, afirmava o seu interesse pela cultura e, como em quase tudo neste concelho, se posicionava pioneira também neste campo.
Mas depressa o meu entusiasmo bairrista se transformou em decepção: a nossa Rádio rejeitava o nome de Freamunde e adoptava a cacofónica monstruosidade “Inovasom” que, embora assim a escrevam, para o ser, deveria escrever-se “Inovassom”. Ao princípio, ainda se começou a anunciar: “Rádio Inovassom – Uma voz de Freamunde ao serviço do Concelho”, por entre os clangores das trombetas do 1º andamento da 4ª sinfonia de Tchaikosky, e despedia-se novamente como a “Voz de Freamunde” aureolada pelo coral “O Fortuna!”, da cantata “Carmina Burana”, de Carl Orff. Era talvez, excessivamente imponente, perigosamente presunçoso, mas marcava o pundonor e a personalidade de uma gente que ama a sua terra, que a não esquece nem enjeita, e não abdica desse amor e desse bairrismo, mesmo que isso lhe possa trazer inconvenientes. … Mas, em breve tudo acabou: agora o emissor de Freamunde aparece sem ruído, e quase sem dizer de onde é, e acaba à meia-noite, em silêncio, quase sem se despedir… Porquê? De que tem medo?!...
Há dias, na “Tocata”, reuniram-se em congresso (?), as Rádios Locais do Vale do Sousa. Todas ostentavam, orgulhosamente, o nome da respectiva terra: Lousada, Paredes, Castelo de Paiva, Paços de Ferreira, Penafiel… A “Inovasom” não o fez: nem no cartaz anunciador do encontro, nem durante a sua actuação nem no fim da desta… De tal foi chamada a atenção de um responsável (?) presente, que não parece ter-se incomodado com isso. Talvez tivesse razão: a situação é vulgar e diária. Já tive o cuidado de acompanhar a emissão durante algumas horas e nem uma só vez o nome de Freamunde foi citado! E se não é o anúncio da Relojoaria “Ponto Alto” que todas horas nos proporcionam a oportunidade de acertarmos os relógios, ninguém saberia donde lhe vinha o que estava a ouvir, pois os senhores locutores não desvendam o segredo… Porque será? Por medo de poderem desagradar a alguém a quem o nome de Freamunde incomode?... Por vergonha do que estão a transmitir?... Porque entendem o monstruoso neologismo “Inovasom” ou “Inovassom” é mais que suficiente para identificar uma terra que sempre se afirmou defensora do bom senso?!...
E se o Sport Clube de Freamunde trocasse o topónimo por qualquer outra designação? E se o mesmo o fizesse a nossa conhecida e gloriosa Banda Musical? E se o nosso animado promissor Clube de Caça e Pesca e não menos esforçada Sociedade Columbófila ou os nossos – nessa época – heróicos Bombeiros Voluntários também se desinteressassem do nome de Freamunde? E se a nossa veneranda Associação de Socorros Mútuos, a Assembleia, o Clube Recreativo e, sobretudo, o nosso Grupo Teatral não fossem, orgulhosamente, “Freamundenses” ?? Ou se este jornal não se chamasse “Fredemundus”?? Quem iria saber das virtudes de uma terra que – nunca percebi porquê – nem vem no mapa, apesar ser demográfica, associativa e culturalmente (e não só) a mais importante do concelho…
Por isso, daqui solicito ao sr. Presidente da Junta de Freguesia de Freamunde que inclua no seu orçamento a despesa da propaganda da Relojoaria “Ponto Alto” na nossa rádio, a qual, sem o saber nem querer, está a dar a esta terra a divulgação que os obreiros da “Inovassom”, só com um “S” ou com quantos quiserem (não é por isso que a asneira aumenta…), inexplicavelmente lhe negam…           

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