Rádio Freamunde

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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Despedida triste:

Faz hoje, dia 14 de Abril, quarenta anos, que meu pai me acompanhou, juntamente com um meu tio e um meu primo, de táxi, à estação da CP em Campanhã, com a finalidade de me deslocar para S. Margarida, para no dia 17 embarcar para Angola, o meu primo para Moçambique. Nesse tempo, o meio de transporte era de táxi, ou carreiras diárias mas, como na província a partir de uma certa hora já não circulavam, era o táxi ou o favor de um amigo que tivesse carro, nessa altura contava-se pelos dedos das mãos as pessoas que os tinham.
Em Campanhã, Porto, era um mar de gente vestida de verde à espera de embarcar num comboio especial, para militares, que nos levaria até ao Entroncamento, depois para Constância e dali seguíamos para S. Margarida, numas viaturas militares. Quando nos atrasávamos esse itinerário era feito a pé, cerca de três quilómetros a subir.
Mas, como estava dizendo em Campanhã era um mar de gente, desde militares, seus familiares e alguns amigos que nesta altura gostavam de mostrar a sua amizade. Ao despedir-me de meu pai, no abraço, senti que ele estava a pensar o mesmo que eu: será este o último?
Quando o comboio deu o último apito e começou a sua marcha lenta, era um mar de lenços brancos a voarem, despedindo-se de nós, muitas lágrimas a brotar de parte a parte. Para nós nortenhos a despedida era na estação de Campanhã, já tinha vertido algumas em casa, na despedida de minha mãe e de meus irmãos.
Era para partir sem lhe dizer nada, ou seja, não dizer à minha mãe que ia para Angola. Em conversa com meu pai, ele desaconselhou-me, dizendo que ia ser mais doloroso para ela se me acontecesse qualquer fatalidade. Assim, contei a minha mãe da minha ida para Angola. Depois de me despedir dela verifiquei que o meu pai tinha razão. Senti um alívio. Mesmo com as lágrimas brotadas.
Chegado a S. Margarida, os nossos semblantes estavam carregados de tristeza. Antes de me apresentar, ainda pensei fugir para França, nesse tempo, muitos Portugueses o faziam, uns para fugirem ao serviço militar, outros, para melhorarem o seu nível de vida. Não possuía o espírito aventureiro, talvez por isso, a não inclinação para essa aventura. Também idealizava constituir família, - casar – se fugisse a minha namorada, hoje minha esposa, se não ouvir o sino da terra, morre de saudades. Por esse motivo me apresentei em S. Margarida.
No dia 16 à noitinha, lá partimos para Lisboa, para no outro dia embarcamos para Angola. Passei a viagem a dormir. De manhã, dia 17, era um sábado, deram-nos o pequeno-almoço ao ar livre, parecia um piquenique, depois fizemos um desfile onde nos foi desejado muitas felicidades e a oferta de aerogramas e outras bugigangas. As senhoras do Movimento Nacional Feminino, sempre sorridentes – julgo que não deviam ter filhos – senão não se comportavam assim,  sentiam como nós, as amarguras, por termos de deixar os nossos familiares.
Como disse era um sábado, o cais de Alcântara estava à pinha de familiares, amigos e alguns mirones. Eram tantos os lenços que me fez lembrar o adeus que os crentes prestam no recinto de Fátima, à Nossa Senhora de Fátima. Não tinha ali nenhum familiar, nós nortenhos, derivado à longitude, não tínhamos esse prazer ou sorte, - para mim, sorte - se já tinha sido custosa a despedida mais uma mexia ainda mais com os meus sentimentos. Mas, senti na mesma ao ver aquela multidão a despedir-se de nós. De alguns, para sempre.
Fiz uma viagem maravilhosa, enjoos não tive, ao contrário da maioria dos meus colegas. Vi coisas que nunca sonhei ver, desde Peixes voadores a Golfinhos, Baleias e um Pôr-do-sol deslumbrante. Os dias foram passando até que nos aproximamos de Luanda. Chegamos no Domingo, dia 25 de Abril, nunca pensei que este dia mais tarde ia ficar na história. Só desembarcamos no dia 26.
Quando nos sentimos em terra notamos uma certa diferença. Ali, ao contrário do cais de Alcântara, era uma variedade de pessoas, desde brancos, mestiços e negros. Não havia como hoje, cá no Continente, principalmente na província, mestiços ou negros, a não ser algum jogador de futebol e aquilo metia-me alguma desconfiança. Com o passar do tempo, granjeei bastantes amigos e era respeitado por todos eles, assim como os respeitava.
Fomos para o Grafanil, um campo militar, num comboio que os vagões mais pareciam de transportar gado. No dia 4 de Maio fomos transportados numas viaturas, camionetas de carga, para Quicabo e dali para Balacende, caso da minha companhia, 3341. Passaram-se bons e maus bocados. Os bons lembram mais. Estivemos quase 23 meses isolados. Não havia população, era só o quartel. De vez em quando vínhamos ao Caxito, era uma vila pequena, hoje cidade e capital da província do Bengo. No canal de televisão de Angola, - TPA - de vez em quando aparecem notícias sobre o Caxito e fico radiante de ver paisagens que me são familiares. Anseio por ver notícias sobre Balacende mas o que consegui saber é que é um estaleiro de obras.
Se tivesse possibilidades já lá tinha ido. Era um deserto. Só arame farpado. Se estivéssemos virados para a porta de “armas” na direcção da pista de aviação, - se àquilo se podia chamar pista - deparávamos com a floresta do Quifusse, se nos virássemos para a nossa direita os morros Palacaças na direcção à Beira Baixa, à nossa esquerda as famosas Sete Curvas.
A esse deserto ganhei muito carinho! Não gosto de ouvir falar mal de Balacende, para mim, com todos os defeitos e necessidades é um lugar que trago na memória e no coração. Pudera. Foi lá que vivi durante 23 meses. Com sangue, suor e lágrimas.
Viva Balacende.

2 comentários:

  1. Sou reis:

    Parabens, Manuel, pelo bom e emotivo relato. Gostei. Quem tem tanta hestoria à contar deve partilhar a mesma. Deveram ser momentos de muita emoção. Essas sim que eram emoções naquela altura. Quanto respeito merecem as gentes que como tu tiveste que viver tudo aquilo. Vinte meses sem sair dum quartel perdido lá no deserto. minha mainzinha. Qualquer jovem hoje como dizemos cá "aluzinaria".
    Como arraiano que são, de miudo ouvi muitas hestorias de irmãos portugueses que fugiam e cruzavam a raia para irem a França.

    Além disso, gosto de dizer-te que esteve no fim-de-semana de faz quinze días a dar umas voltas por Amarante e sua contorna. Então não pude deixar de deslocarme para Freamunde e depois a Paços. A tua publicidade teve efeito. Olhei, ainda que por pouco tempo o bonito povo de Freamunde. Tenho que dizer que no meu pequeno percurso pelo teu povo tive um recordo para o meu companheiro de blog, e mesmo cria estar num sitio familiar no que tinha algo meu.
    Milagres que a blogosfera nos da.
    Abraço galego.

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  2. Reis:
    No seu comentário diz que admira a juventude de outrora pelo seu passado e sofrimento. Acredite que esta juventude não sabe dar o valor ao trabalho e sofrimento que a minha e outras anteriores passaram – vocês, Espanhóis, também a passaram com a guerra civil e com o des (governo) de Franco. Podem ser uns tesos – falta de dinheiro – mas tem um legado deixado, que não tem comparação.
    Ainda ontem o meu neto estava no computador a falar e jogar um jogo, não sei qual, com o tio. Lido assim qual o espanto! Acontece que o meu neto tem cinco anos de idade, o seu tio, uns dez, está emigrado em França, com os pais. Esse jogo era através do programa SKYPE. Há dias, no congresso do PS, Almeida Santos, para preencher um espaço de tempo, referiu-se à juventude do tempo dele e à de hoje, Almeida Santos tem oitenta e cinco anos, disse que esta não sabe dar o valor do que foi conseguido e o que a globalização nos trouxe. São factos indesmentíveis.
    Fiquei contente e ao mesmo tempo com pena por se ter deslocado aqui para a minha zona e não ter dado conhecimento através do meu blogue. Gabo-lhe o gosto pelo itinerário. Amarante é uma cidade bonita e com tradições. O Museu Amadeu Sousa Cardoso é um lugar que deve ser visitado. Freamunde é uma cidade muito carente mas, diz o ditado: quem o feio ama bonito lhe parece.
    Os Portugueses é que se gostam de autoflagelar. Não sabem dar o preciso valor ao que possuímos. É preciso serem os estrangeiros a realçar isso.
    Cumprimentos.

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