Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

terça-feira, 6 de maio de 2025

Do “rouba mas faz” ao “rouba e nem sequer faz”:

 (Por Eduardo Maltez Silva, in Facebook, 03/05/2025)

Durante décadas, Portugal conviveu com o cínico ditado “rouba mas faz”. Não era amor à corrupção — era desespero disfarçado de pragmatismo. José Sócrates ou Isaltino Morais conquistavam votos porque, apesar de tudo, deixavam obra feita. A democracia parecia funcionar com um verniz de eficiência. Havia cinismo, mas também havia estrada, hospital, escola.

Hoje, esse pacto quebrou-se. Com Luís Montenegro, inaugurámos o ciclo do “rouba… mas nem sequer faz”.

Um governo vazio, colado com marketing e espuma mediática, que se apresenta como alternativa ao desgaste do PS — sem mostrar alternativa nenhuma. Só um cenário de exaustão emocional generalizada em relação ao PS permite que um líder que nada propôs, nada construiu e nada vislumbra para o país seja premiado com os destinos da Nação.

Não estamos apenas perante maus gestores ou vendedores de ilusões. O que nos está a falhar, sistematicamente, é o próprio Estado. O SNS não colapsou por excesso de Estado — colapsou por menos Estado. A escola pública não perdeu professores por burocracia — perdeu-os porque deixou de os valorizar. A habitação tornou-se inacessível não por excesso de regulação — mas por falta dela. Os salários não estagnam porque o Estado intervém — estagnam porque não intervém onde devia: na proteção dos trabalhadores, na redistribuição, no planeamento económico.

Em cada crise — da pandemia ao apagão, da habitação à imigração — o problema é sempre o mesmo: o Estado foi encolhido até à irrelevância. É fraco onde devia ser forte, e forte apenas quando é para proteger os privilégios dos mais ricos.

É irónico, quase cruel, que se vote como resposta a isso em projetos que prometem ainda menos Estado… A receita falhou, e duplicam-na. Um neoliberalismo requentado, vendido como modernidade, onde o único plano é cortar impostos aos mais ricos e esperar que a magia do “crescimento espontâneo” apareça.

Mas não há magia no abandono. Não há futuro possível num país onde a única ambição é “não fazer ondas”. Onde se entrega o poder a quem só sabe inaugurar obras feitas por outros. Onde se promete “mudança” cortando na única coisa que protege os fracos: um Estado forte, competente e justo.

O PS perdeu-se porque deixou de ser alternativa — tornou-se uma versão domesticada da direita económica, gerindo o que havia em vez de transformar o que faltava. Não caiu por ser “socialista”. Caiu por ser tímido, tecnocrático, conservador nos tempos em que era preciso coragem.

E agora? Agora reina o ilusionismo fiscal. A política do PowerPoint. A governação do slogan. Os que iam cortar impostos afinal cortaram muito menos do que o governo PS e ainda aumentaram a carga fiscal, mas ninguém quer saber disso… as emoções e percepções são mais fortes que as razões.

Enquanto isso, os problemas reais — salários, habitação, serviços públicos, coesão territorial — continuam sem resposta.

Estamos no “rouba e nem sequer faz”, e agora entrámos na fase final: o “rouba, não faz, mas parece que faz”. Um país que aplaude o simulacro e castiga quem faz. Que enterra os factos e os contextos para navegar em percepções, emoções e preconceitos.

Do blogue Estátua de Sal

Sem comentários:

Enviar um comentário