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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Estarão os israelenses a comportar-se de forma inteligente?

 (Dmitry Orlov, in Resistir, 18/04/2024)

Eu não ia escrever sobre Israel, mas por acaso estava no Museu Hermitage de São Petersburgo hoje e me deparei com “A batalha entre os israelitas e os amorreus”, uma pintura a óleo sobre tela de 1625 do artista francês Nicolas Poussin, e pensei: esses israelitas irritantes estão de volta, não estão? De fato, eles estão!

Ler artigo completo aqui.

Do blogue Estátua de Sal

quinta-feira, 18 de abril de 2024

“Você obteve uma vitória. Aproveite a vitória”:

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 17/04/2024)

Israel terá de incorporar no seu cálculo estratégico o facto do Irão de hoje não ser o mesmo Irão de há duas décadas. Fica a esperança de o conselho de Biden a Netanyahu prevalecer.


Disse o presidente Joe Biden ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no rescaldo da operação militar iraniana em território israelita, em 13-14 de abril, procurando dissuadir Israel de retaliar. Afinal Israel intercetou 99% dos drones e mísseis lançados pelo Irão. Simultaneamente, Biden foi dizendo a Netanyahu que os EUA não apoiarão uma resposta israelita a Teerão.

Telavive tem procurado insistentemente envolver os EUA numa derradeira campanha militar contra o Irão. O ataque à soberania iraniana através da ação militar contra as instalações diplomáticas de Teerão em Damasco tinha esse objetivo. Telavive sabia que estava a pisar uma linha vermelha intolerável à luz do direito internacional para qualquer Estado; sabia o que estava a fazer. Foi uma ação deliberada, esperando que uma resposta iraniana demolidora viesse colocar os EUA a seu lado num ataque massivo ao Irão. Parece que os planos de Telavive não se irão concretizar.

A resposta militar iraniana foi calibrada tendo o Irão informado previamente os EUA e os Estados vizinhos da região da realização da operação, com cerca de 72 horas de antecedência, procurando assim obviar baixas civis. O Irão pretendia atacar os alvos militares que considerava terem estado envolvidos no ataque israelita de 1 de abril, em Damasco: as bases aéreas de Nevatim e de Ramon, ambas no sul do país, e os radares e meios de defesa aérea israelita nos montes Golã, o que conseguiu com sucesso.

Os danos provocados a Israel foram considerados pelo New York Times “relativamente limitados”. A comunicação social israelita manifestou-se no mesmo sentido, pairando no ar o desincentivo a uma retaliação. Baixas civis volumosas dariam a Israel um excelente pretexto para retaliar. Não foi o caso. Telavive não foi encostada à parede como foi Teerão com o ataque do dia 1 de abril. A resposta iraniana não pisou linhas vermelhas. Washington ajudou Telavive a deter o ataque iraniano, mas parece que não a ajudará a atacar o Irão. A concretizar-se, essa falta de apoio representará uma derrota para Netanyahu.

Houve quem pensasse, entre eles eu, que com o ataque a Israel, o Irão tinha caído na armadilha montada por Telavive. Sabe-se hoje, que Teerão geriu com destreza a escalada da violência, mostrando a sua força sem ir demasiado longe na resposta, não dando pretexto para a uma reação militar israelita ou mesmo americana. Embora os EUA neguem, sabemos que foram informados da operação pelo Irão, assim como Israel através da Arábia Saudita e dos Emiratos Árabes Unidos, que lhes transmitiram os planos de ataque para que pudessem proteger o seu espaço aéreo.

Não interessa a Washington nem a Teerão uma guerra generalizada e sem controlo no Médio Oriente. Farão o que está ao seu alcance para a evitarem. Os EUA receiam que Israel possa não estar a ter em conta as potenciais consequências negativas de uma resposta. Afinal, os EUA têm cerca de 30 mil soldados relativamente vulneráveis na região, em particular na Síria e no Iraque, que não ficarão incólumes no caso de uma ação militar norte-americana contra Teerão. Se tiver de escolher entre os seus interesses e os de Telavive, Washington não terá dúvidas na preferência.

As chancelarias europeias tão silenciosas quando as instalações iranianas em Damasco foram atacadas saíram da hibernação para condenarem o Irão que, em última análise, atuava em legítima defesa ao abrigo do Art.º 51, da Carta das Nações Unidas, algo que não fizeram quando as instalações consulares em Damasco foram destruídas.

Em matéria de cinismo, Telavive não ficou atrás das chancelarias europeias. Depois dos discursos inflamados sobre a inutilidade das Nações Unidas e dos ataques às suas agências em Gaza, Israel veio pedir uma reunião do Conselho de Segurança para considerar a Guarda Revolucionária Islâmica uma organização terrorista. De notar que o Conselho de Segurança se recusou a reunir depois do ataque israelita de 1 de abril.

A narrativa das 99% interceções é útil para convencer a opinião pública da não necessidade de retaliar, sobretudo a israelita. Os danos foram limitados e as baixas em vidas humanas quase nulas, como tal não se justifica uma resposta. Tanto a imprensa israelita como a norte-americana afinaram diapasões e coordenaram o alinhamento das mensagens. Não obstante essa narrativa ganhadora, os altos-comandos israelitas deverão estar tremendamente preocupados.

Sabem que a operação iraniana não foi “fogo de artifício”. A bem escalonada defesa aérea israelita não foi capaz de deter os misseis hipersónicos lançados por Teerão. Não terá sido muito confortável ver mísseis iranianos sobrevoar o Knesset tornando evidentes as vulnerabilidades da melhor defesa aérea do mundo. Perante as imagens em circulação na internet, Telavive não teve outro remédio se não reconhecer os danos procurando, no entanto, minimizá-los. Só uma das bases aéreas foi atingida por sete mísseis hipersónicos.

Independentemente do que se disser, o Irão demonstrou capacidade para contornar o poderoso e avançado sistema antimíssil israelita. Os mísseis hipersónicos iranianos foram capazes de nulificar o avançado radar AN/TPY-2 de banda X norte-americano estacionado em Har Qeren, no deserto do Negev, com a missão de detetar os lançamentos de mísseis iranianos e transmitir os dados às baterias israelitas Arrow e David’s Sling, e às americanas THAAD que tinham por missão proteger locais sensíveis, incluindo a cidade de Dimona onde se encontram as instalações nucleares israelitas e as bases aéreas de Nevatim e Ramon, de onde terão partido as aeronaves que atacaram o consulado iraniano. Há evidência de que os mísseis balísticos hipersónicos iranianos não tiveram praticamente oposição. Não há provas de que um único tivesse sido abatido.

Parece incontornável ter de reconhecer que um sistema de radares de vigilância funcionando em proveito de defesas antimísseis extremamente sofisticadas, reforçadas pela ação do Reino Unido, França e Jordânia foram impotentes face ao ataque iraniano, não conseguindo proteger os locais acima mencionados. A isto acresce o facto de, segundo várias fontes, o ataque iraniano ter custado cerca de 30 milhões de dólares, enquanto o conjunto das interceções teria, segundo algumas estimativas, rondado os 1,3 mil milhões de dólares.

Israel estará a planear um ataque “doloroso” ao Irão, mas sem provocar vítimas evitando que se desencadeie uma guerra regional. Benjamin Netanyahu terá pedido às Forças de Defesa de Israel a elaboração de uma lista de alvos aos quais os EUA não levantariam objeções. O gabinete de guerra pretende encontrar uma forma de retaliação que não seja bloqueada pelos Estados Unidos.

Apesar das pressões de muitos líderes ocidentais, a resposta israelita parece inevitável, não se sabendo quando, como e onde irá ocorrer. O formato dessa resposta não é claro. Numa conversa telefónica com o secretário norte-americano da defesa, o ministro da defesa israelita Yoav Gallant disse: “não há outra alternativa senão ripostar contra o Irão… Israel não pode permitir que sejam disparados mísseis balísticos contra o seu território sem uma resposta”.

Por sua vez, o Irão declarou que responderá “dentro de segundos” a uma retaliação de Israel. O presidente da comissão parlamentar de segurança do parlamento iraniano Abolfazl Amouei, declarou que o Irão está preparado para usar “uma arma que nunca usou antes” se Israel prosseguir com o seu planeado ataque retaliatório.

Independentemente do que possa vir a acontecer, a ação militar iraniana em território israelita não tem precedentes e já fez história. Pela primeira vez, o Irão levou a cabo um ataque em solo israelita a partir do seu território, em vez de recorrer apenas aos seus proxies para atacar Israel.

A resposta de Telavive tem mais a ver com o precedente criado pela ação iraniana, pela afirmação de Teerão como potência regional, inspiradora dos seus seguidores, algo que Telavive não quer aceitar, do que propriamente com os danos causados. Israel terá de incorporar no seu cálculo estratégico o facto do Irão de hoje não ser o mesmo Irão de há duas décadas.

Esperemos que o conselho de Biden a Netanyahu prevaleça em detrimento da opinião daqueles que no gabinete de guerra em Telavive defendem um ataque demolidor e que se recusam a aceitar as novas realidades estratégicas. Fiquemos com a esperança uma vez que não temos certezas.

Do blogue Estátua de Sal

NÃO SE ILUDAM COM OS CONDECORADOS DE MARCELO PR! HÁ SEMPRE ALGUM DE ESQUERDA A SERVIR DE "PEDRA" DA SOPA DE CONDECORAÇÕES QUE ELE VAI DANDO A GENTE MUITO À DIREITA:

Avisa Alfredo Barroso, cada vez mais indignado com as constantes manipulações deste beato reaccionário que elegeram para Belém
Marcelo PR começou logo por "avacalhar" a Ordem da Liberdade atribuindo-a a Cavaco Silva e a António Barreto, mas condecorou também o Manuel Alegre (já vai em duas condecorações) e Ferro Rodrigues. E ainda há pouco tempo, numa clara demonstração da pusilânimidade que o caracteriza, condecorou "às escondidas" o marecchal António de Spínola e, para compensar, o general Costa Gomes, ambos a título póstumo.
Nem sei se, numa demonstração de "amor paternal", Marcelo PR não terá decidido já condecorar o dr. Nuno seu filho e "as gémeas que se tornaram de súbito luso-brasileiras para poderem receber via SNS o medicamento mais caro do mundo".
Não, nem pensem que o que tenho é "dores de cotovelo"! Porque em nenhuma circunstância eu aceitaria qualquer condecoração que me fosse atribuída por este péssimo Presidente da República (pelo menos tão mau como foi o general Ramalho Eanes, na sua saga de puro ódio a Mário Soares e ao Partido Socialista, do qual Mário Soares foi o principal fundador e era então o secretário-geral).
De facto, nem do PR Mário Soares (dados os nossos laços familiares) eu queria aceitar ser condecorado (ao fim de 10 anos como chefe da Casa Civil e porta-voz do PR) e só acabei por aceitar porque, numa atitude de solidariedade que ainda hoje recordo comovido, todos os elementos da Casa Civil e da Casa Militar do PR declararam que só aceitariam ser condecorados se eu também o fosse. E foi isso mesmo que sucedeu, tendo eu sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, por serviços relevantes prestados ao Estado - como chefe da Casa Civil do PR; como secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do IX Governo constitucional; como deputado à Assembleia da República; como secretário-geral da PCM; e como director dos Serviços de Informação e Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tudo isto, depois do 25 de Abril.
E cá estou eu - que fui jornalista profissional, nos jornais 'A Capital' e 'O Século', e colaborador da revista 'O Tempo e o Modo', além de militante da Acção Socialista Portuguesa e um dos fundadores do Partido Socialista, antes do 25 de Abril de 1974, e que, já depois, cheguei a ser cronista semanal do "Expresso" (durante quase nove anos), do "Independente", do "Diário de Notícias" (aqui foram dois "Guinea Pigs" que me puseram à margem) além de inúmeros textos que publiquei em variadíssimas publicações - e cá estou eu, repito, mas agora banido de todas as televisões e dos jornais (controlados pela direita, menos um, controlado por uma 'capelinha' de esquerda) por me considerarem "politicamente incorrecto" (o que muito me honra) - eu que, na realidade, o que sou é um político que nunca se aproveitou do exercício dos cargos para que fui democraticamente eleito ou nomeado, para "fazer pela vida", isto é, para enriquecer e reformar-me com algum dos chamados "subsídios políticos"...
Por tudo isto (e muito mais) é que digo, com total à-vontade, que o Presidente da Republica, Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, já devia ter renunciado ao cargo, e que a actual Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, já devia ter-se demitido! Mas eu bem sei que nem ele nem ela têm um módico de coragem para tanto...
Campo d'Ourique, 18 de Abril de 2024
Aqui estão fotos de sete exemplares da direita, de antes e depois do 25 de Abril de 1974, reconhecendo embora o papel crucial que foi desempenhado, antes do 25 de Abril, pelo então general António de Spínola na queda da ditadura do Estado Novo, que era então bicéfala, comandada pelo então presidente do Conselho de Ministros, Marcelo José das Neves Alves Caetano, e pelo então Presidente da República, Américo Deus Rodrigues Thomaz.
Alfredo Barroso

Os ataques “kalibrados” contra o neocolonialismo:

(Hugo Dionísio in Strategic Culture Foundation, 17/04/2024)

Se há coisa que o ocidente monopolista não entende é como unir coisas que são diferentes, como aceitar as diferenças alheias, como criar uma força comum entre diferentes, unidos apenas por um sentimento, a liberdade.


Pouco tempo depois da resposta Iraniana ao ataque sionista, que destruiu o seu consulado na Síria, vitimando mortalmente o Comandante sénior Mohammad Reza Zahedi, eis que é a própria Casa Branca, e Biden, a puxar as rédeas de Netanyahu e transmitir ao mundo que a acção foi devidamente “calibrada”. Isto, depois das autoridades sionistas cuspirem fogo, ameaçando com apocalípticas consequências, contra o renascido potentado persa.

Esta “calibragem” no discurso de Washington é a consequência óbvia do que se havia passado antes da retaliação Iraniana; nas 48 horas que a antecederam foram vários os estafetas europeus a pedirem “contenção” ao Irão, alertando para as consequências gravosas que essa falta de “contenção” poderia despoletar. Os sinais de preocupação eram tão evidentes quanto o tinham sido, até aí, o branqueamento e legitimação, da acção provocadora de Israel, face aos seus vizinhos da região.

Quem não esteve, contudo, com meias medidas foi Ursula von der Leyen. Em mais um show de hipocrisia de proporções bíblicas, esta senhora veio ameaçar com a única resposta que conhece: pacotes de sanções contra o Irão, por ter desenvolvido um “ataque não provocado”. Também Macron não poderia ficar para trás e veio dizer que é preciso continuar a “isolar o Irão” com as sanções do costume.

Se algo há a retirar deste comportamento é mesmo este facto: Úrsula Von Der Leyen e os Macrons deste mundo vivem numa realidade que já não existe, na qual o ocidente “racial, moral e intelectualmente superior” tinha a legitimidade para punir, perseguir, invadir, ameaçar e destruir todos os que se lhe opunham. Mas se, na sua odiosa cegueira, ainda não o constataram, não se pode dizer o mesmo de quem neles manda. O mundo mudou e está em processo de acelerada transformação.

A impunidade acabou quando a Federação Russa disse não aceitar a ultrapassagem da linha vermelha que havia imposto e que determinava a neutralidade da Ucrânia; o mundo mudou quando Irão, Hezbollah, Huthis e Hamas declararam não aceitar mais os abusos sionistas, contra as suas populações e seus aliados; o mundo mudou quando a China não desistiu da Rússia e Irão, demonstrando que o mundo multipolar estava para ficar. Para destruir um, terão de os destruir aos três. Todos interligados por alargadas parcerias estratégicas.

Consequentemente, a resposta do Irão tratou de sinalizar que o país está preparado para dar uma resposta decisiva, no que considera constituir uma escalada de abusos crescentes, por parte do sionismo e seus apoiantes, e que não continuará a tolerar o desrespeito genocida, por parte da entidade sionista que controla e se confunde com Israel.

Este comportamento por parte do Irão, antes impensável e intolerável pela “comunidade internacional”, encontra agora um espaço de legitimidade absolutamente revelador de como mudou o mundo, nestes anos de crescimento da multipolaridade. Nem as sanções têm já o mesmo peso, tendo o Irão – tal como a Rússia, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, Nicarágua – aprendido a ser auto-suficiente, transformando a agressão em força de oposição; nem o ocidente domina já o sul global com a força que estava acostumado a fazê-lo; nem os EUA, e o seu espaço vital, constituem ainda aquela potência militar de que todos tinham medo.

Hoje, potências como o Irão podem dar-se ao luxo de aumentar a parada e encurralar o arrogante ocidente. O mais interessante é que, do ponto de vista estratégico, os EUA haviam apostado numa profusão de provocações múltiplas, cada vez mais alargadas e que visavam escaladas militares localizadas, as quais tinham como função conter a expansão dos países que constituem os pilares centrais desta libertação do sul global: Rússia, China e Irão.

Resultando na expansão continuada do mundo multipolar, do desenvolvimento do “sul global”, que mais não é do que a “maioria global”; acompanhada da perda, pelo ocidente, de posições estratégicas que ditam o acesso às reservas estratégicas de mão de obra da Ásia e África; às reservas de commodities na Rússia, Médio Oriente, América Latina e África; ou, à capacidade industrial instalada da Ásia; a tríplice entente multipolar que dirige o processo anti-imperialista, através dos seus ataques “calibrados”, está provocar uma corrosão progressiva da entidade imperialista, anunciando-se, algures no tempo, o seu colapso.

E este constitui o grande mérito destes três países e dos seus aliados, a Africa do Sul, mais convicta, a India e o Brasil, mais periclitantes, a que se juntaram agora outros cinco países, e que, em breve, se juntarão muitos outros, entre os quais o próprio Vietname, o qual já oficializou a sua intenção de aderir aos BRICS. Estes países têm tido a paciência, a sabedoria e a competência para agir de forma tão concertada quanto possível, mas também de forma tão desconcentrada quanto necessário, sem se deixarem enredar em insanáveis contradições internas que os exponham à máquina de destruir nações que são os EUA. Deste modo, a expansão desconcentrada coloca problemas extremamente difíceis de ultrapassar, a quem pretende destruir este processo de expansão, que é também um processo de libertação do neocolonialismo.

Não se pode dizer, contudo, que estamos num momento histórico totalmente original. Com efeito, é bom recordarmos as palavras de Zbigniew Brzezinsky, ao Nouvelle Observateur, em 1998, aquando, numa entrevista, este reconheceu que, não só os EUA, conscientemente, haviam contribuído para a invasão do Afeganistão, pela URSS, como se regozijou – como gostam de fazer os arrogantes supremacistas -, pelo facto de, mesmo com um milhão de mortos, ter valido a pena o apoio aos Mujahidine (Talibãs), o qual sabiam, antecipadamente, ser visto por Moscovo, como algo de intolerável nas suas fronteiras e que não deixaria de provocar uma guerra.

Num processo com semelhanças ao que se passou na Ucrânia – formação de uma elite dirigente profundamente anti-Russa (ou anti-URSS) praticante de uma ideologia odiosa e extremista -, o mais importante que Brzezinsky disse, contudo, foi que os EUA, estando ideologicamente na defensiva, com a agenda dos direitos humanos foi possível virar a maré e colocar a URSS na defensiva. Hoje, a ideia de um mundo multipolar recolocou o Sul Global, como um todo, numa posição ideológica ofensiva e, ao mesmo tempo, os EUA voltaram a encontrar-se na defensiva. E desta feita, bem que podem vir com a agenda dos direitos humanos outra vez, que já ninguém acredita neles.

Deste posicionamento podemos retirar um ensinamento valioso para os nossos dias: por muito agressivos, arrogantes e beligerantes que pareçam, os EUA – incluindo Israel – foram novamente colocados numa posição defensiva. Tudo o que fazem, acontece como resposta a uma realidade em que o mundo multipolar se continua a expandir e o ocidente “alargado” a contrair. Por muitos “alargamentos” que a OTAN possa propagandear, o espaço vital dos monopólios ocidentais, que constituem as raízes do imperialismo, tem vindo progressivamente a diminuir. Este é um facto indesmentível e só um endividamento brutal da Casa Branca faz como que a economia dos EUA continue, artificialmente, a crescer e com ela, a alimentar o processo de “contenção” do crescimento do mundo multipolar.

O que é impossível de esconder é que o problema dos EUA, desta feita, é mais complicado. Não será tão fácil passar “à ofensiva” como o foi com a URSS. Embora a URSS constituísse um desafio formidável e que a elite dirigente, em Washington, logo identificou como sendo algo de vida ou de morte, o facto de a potência soviética ser, à data, o único pilar em que assentava o desafio, facilitava as coisas. Era muito fácil partir o mundo em dois e diabolizar a outra parte. Ao contrário de hoje, a URSS não se podia suportar na China.

Já o desafio que é imposto através da China, Rússia e Irão, secundados pela India, África do Sul, Brasil e muito outros, é muito mais complexo e deslocalizado. Em primeiro lugar, não se trata de um bloco monolítico com uma mesma ideologia. Tratam-se de países com sistemas de governação muito diferentes, desde os mais liberais, como Brasil e África do Sul, aos socialistas como a China ou os nacionais desenvolvimentistas como a Rússia, ou mesmo o Irão, associando-lhe ainda a sua dimensão teocrática e democrática. Do ponto de vista da propaganda, isto coloca muitas dificuldades, daí que, nos últimos meses tenhamos assistido a um crescente desenvolver de uma linha de propaganda, segundo a qual a China tem interesse na vitória de Trump – ele que a quer destruir – e que é a extrema direita europeia quem apoia a China e é por esta apoiada. É uma espécie de “Rússiagate”, desta feita em versão chinesa. Enfiar uma mesma carapuça a todos e diaboliza-los, não tem sido nada fácil.

Acresce que, estes países, cada um da sua forma – o Irão menos – estão conectados com as cadeias de valor ocidentais, o que impede uma acção decisiva e brutal, independente de consequências. Veja-se o que aconteceu com as sanções à Rússia, agora pense-se no que aconteceria se essa agressão se desse contra a economia chinesa.

É esta a essência da “multipolaridade”, a que outros chamam “multiplexidade”, que consiste na sua enorme capilaridade, como cogumelos que se multiplicam por todo o mundo, cada um com a sua morfologia, mas todos com a mesma natureza, tornando-se virtualmente impossível de conter o seu crescimento. Como os EUA aprenderam com a Rússia, não basta atacar um, é preciso fazê-lo a todos, mas, a todos, é impossível, como estarão, agora, a perceber. Esta diversidade é absolutamente desafiadora para a lógica totalitária e unicista estado-unidense, que se via a dominar um mundo uniforme.

Se há coisa que o ocidente monopolista não entende é como unir coisas que são diferentes, como aceitar as diferenças alheias, como criar uma força comum entre diferentes, unidos apenas por um sentimento, a liberdade. Para unir, o imperialismo estado-unidense sente uma necessidade imperiosa de uniformizar, desrespeitando e destruindo culturas, tradições, crenças e ideologias, com o sentido de impor a sua.

Estes países multipolares, alicerçados num estado interventivo (algo de comum a todos e que rejeita a proposta ocidental do estado mínimo neoliberal, substituído pelos monopólios), que controla os sectores estratégicos da economia e apostados na soberania económica, tornam o controlo das suas economias muito complicado. Não admira que uma das linhas de ataque dos EUA à China seja a necessidade de abolição dos “controlos de capital”. É que a história da “liberalização” é vantajosa para quem tem mais poder de aquisição. Nós sabemos quem tem mais dinheiro acumulado, fruto de 500 anos de pilhagem e escravatura.

A verdade é que os EUA, olhando para esta realidade, perceberam que a estratégia de Brezinsky teria de ser adaptada à realidade actual, nomeadamente, deveria ser desconcentrada ou capilar, devendo optar-se por provocações deslocalizadas, aproveitando a dispersão de bases militares por todo o mundo. À Rússia, seria a Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Arménia, secundados de perto pela OTAN; à China seria Taiwan, Coreia do Sul, Tailândia, Filipinas, Japão e a escorregadia India; ao Irão, Israel.

As provocações deslocalizadas, através de proxys muito bem armados, colocam um problema, problema esse agora demonstrado pela retaliação Iraniana. A manta é curta, para um ocidente que não tem a capacidade industrial de outrora, deslocalizada por culpa exclusiva sua, através de uma impopular política de destruição de postos de trabalho, ao serviço dos monopólios.  E isto acontece num quadro de contracção financeira, económica e social. Até do ponto de vista do financiamento destas operações, o ocidente acaba preso às suas contradições: ao contrário dos estados, os monopólios não investem no bem comum, apenas na concentração da riqueza. Tirar do estado para dar aos monopólios acabou no que estamos a ver.

Alicerçados em complexos militares industriais em que as principais empresas são públicas e, mesmo quando privadas, obrigadas a concorrer com as públicas, o Irão, China e Rússia, produzem muito barato o que ao ocidente sai caríssimo (a defesa aérea do Iron Dome, na noite da retaliação Iraniana, gastou à volta de mil milhões de dólares). Esta realidade possibilita uma resposta “calibrada” de valor relativamente baixo. Em comparação, quem mais gasta com estas operações, é quem tem as economias a cair; quem menos gasta, é quem tem as economias a crescer. Uma vez mais, uma consequência do estado mínimo neoliberal, saído do consenso de Washington.

Daí que o grande desafio que se coloca ao mundo multipolar será o de continuar a apostar em respostas suficientemente “calibradas”, para coloquem em sentido o agressor, sem entrar numa escalada de vida ou de morte, mas mantendo o agressor ocupado, corroendo-se cada vez mais, e cuja actividade o leva a acreditar que está a avançar, quando, na verdade, se está a retrair. A Rússia fê-lo magistralmente com a Operação Militar Especial e a China também o está a fazer do ponto de vista não militar.

Daí que, ouvir Ursula von der Leyen com a sua proverbial arrogância, ameaçar o Irão com ineficazes sanções, ouvir Trump e o seu MAGA, Sunak a querer falar grosso e Macron armado em Napoleão, ao mesmo tempo que dizem “o mundo está com a Ucrânia”, “a Rússia está isolada”, “vamos conter a China” ou “o Irão atacou Israel”, demonstre isso mesmo: os servidores de monopólios andam entretidos a jogar aos soldadinhos de chumbo sem constatarem que o fazem num tabuleiro cada vez mais pequeno.

Consiga o mundo multipolar continuar a proferir os seus ataques “calibrados”, seja sob que forma forem tais ataques (uns mais militarizados, outros mais comerciais e tecnológicos) e teremos por garantido que serão capazes de completar a tarefa, antes iniciada por outros: acabar com o neocolonialismo que amordaça, ainda, o sul global.

Vamos lá Kalibr!

Fonte aqui.

Do blogue Estátua de Sal 

Um videirinho de braços cruzados:


1. É regra elementar aprendida no coaching: deve-se evitar a pose de braços cruzados, quando se discursa, negoceia ou interage de uma qualquer outra forma com quem se contacta publicamente. Porque dá a ideia de alguém retraído em si próprio, defendendo-se de imprevisíveis ameaças, que o possam atingir.

Luis Montenegro é pródigo em assumi-la - aliás a exemplo do que já acontecia com Passos Coelho e Paulo Portas na época da troika! - e, só nos últimos dias, vimo-lo assim,  primeiro perante Pedro Sanchez, depois num intervalo do Conselho Europeu.

Para além do medo a atitude defensiva de Montenegro tem outra interpretação: a de se sentir impostor na pele que o seu arrivismo o levou a vestir. E porque, intimamente - mesmo sem provavelmente ter visto o Barry Lindon  do Kubrick -, sabe quase nunca ser feliz o destino dos videirinhos.

Não é preciso grande esforço de memória para, comparando-se a António Costa, ser visto, interna e externamente, como um pobre amador. E os paralelismos vão-se confirmando com outros protagonistas no dia-a-dia nos debates televisivos : basta ver Alexandra Leitão apoucar Hugo Soares, ou Miguel Prata Roque rebaixar os morgados, que lhe ponham pela frente, para comprovar quanto os eleitores entregaram a governação a quem não tem talento, nem pinga de visão, para aquilo que só pode redundar num lamentável estrago.

2. O dia de ontem terá sido amargo para Lucília Gago e  seus acólitos com o Tribunal da Relação a dá-los como ineptos e eivados de juízos especulativos na imputação de graves acusações a quem se limitava a fazer o seu trabalho, quer do lado dos empresários do Data Center de Sines, quer dos governantes incumbidos de criarem as condições para o sucesso de um investimento de reconhecido valor económico e social para o país. Como comentou o insuspeito Manuel Carvalho na edição de hoje do Público tratou-se de uma evidente demonstração de abuso do poder judicial, que resultou na queda de um governo legitimado pela maioria absoluta, que o tornara possível. 

Publicada por 

Do blogue Ventos Semeados 

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