Explica a Ministra que está a demolir os últimos andaimes do SNS e do INEM. Literacia quer dizer - a Ministra tem médico privado, os donos das herdades onde imigrantes eram sovados tem médico privado, em geral um amigo com quem se vai à caça, Paula Amorim tem médico privado, na sua classe não precisam sequer de sair de casa e nunca na vida terão estado numa urgência 22 horas com pulseira verde, com febre, mal estar a levar com luzes brancas, cheiro de doença, gente desesperada, profissionais de saúde a passar a correr, para não lidarem com o nosso sofrimento e assim com o deles, que era suposto cuidarem e assoberbados não o fazem.
Nós - parece que de mais de 700 milhões diários de euros de riqueza são produzidos por quem trabalha em Portugal (número publicado esta semana, cuja precisão teria que ser revista) - mas dizia eu, nós produtores de riqueza, se estamos doentes, condição que exige carinho, clínica, ciência, devemos ligar para um robot, que entrega os nossos dados às corporações de tecnologia, que, seleccionada por média probabilística - exactamente o contrário da saúde em que cada um é irrepetível - , e finalmente desistimos porque ninguém atende, e se atende não fez qualquer diagnóstico, apenas deu o resultado do algoritmo, e vamos a um privado onde se está pelo menos 2 a 4 horas à espera (tempo que antigamente tínhamos de espera no público e achávamos escandaloso) e se fará exames rentáveis, cuja deontologia, segundo dezenas de testemunhos de médicos, ninguém assegura, e finalmente se algo correr mesmo mal chegamos ao SNS, já não com uma gripe mas com algo infimamente mais grave e com custos brutais para o orçamento público, isto se formos eventulamente bem atendidos por tarefeiros, porque para a rentabilidade das herdades e das corporações a dívida pública, que é privada, destrói as equipas com conhecimento estruturado da medicina.
Tudo isto expandiu-se nos anos 1990 mas foi na pandemia que foi elevado a mantra - se está doente não venha aos serviços de saúde. Para que servem os serviços? Para não ir. Entre nós, doentes, e os profissionais de saúde, estará uma decisão administrativa, a DGS, as decisões de saúde passam para os serviços centrais burocráticos, médicos e enfermeiros não podem tocar nos doentes, devem afastar-nos dos cuidadores. E os cuidadores não cuidam, analisam resultados probabilísticos ou exames feitos à distância (caso já de quase 50% da radiologia).
Havia sociedades pré capitalistas atrasadas com um código: se alguém na comunidade está doente, não se levanta, frequentemente no caso de gripes ou vírus recomendava-se um mês de descanso, matava-se a galinha para doentes e grávidas e levava-se comida à cama. Sabe, quem já teve gripe, que não é algo que se cure em poucos dias, mas no mínimo três semanas. E que tem que ser avaliado pela respiração, temperatura, pele, análises se são precisos outros cuidados. Enfim, chegámos aqui - destruição do sentido de uma das mais belas profissões do mundo, saúde, cuidar, e culpabilização dos doentes, perdão literacia na saúde - deve também estar no currículo nas escolas públicas, ao lado de "empreededorismo", e "economia". Quanta da nossa riqueza e dos nossos impostos, enquanto escrevi esta curta nota, se reverteu em milhões que irão ser investidos numa casa para especulação, onde, por exemplo a mãe da Gaia não poderá viver, ficará sem filhos, e o Estado, aqui assim rapta bebés, tem - também pago com os nossos impostos - uma agência de comunicação que faz a gorda "Mãe rapta bebé em Hospital de Gaia". E isso nem conta a parte paga à GNR e PSP para espancar escravos. Ou os salários do Chega para publicar mentiras e dizer que eles os imigrantes são culpados.
Sim, precisamos de uma greve geral, precisamos de mais de uma greve geral ou muitos dias de greve geral para fazer este pacote cair e para mudar o que já estava péssimo mesmo antes deste pacote. Tudo isto há muito que desceu abaixo dos mínimos.
Raquel Varela

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