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quarta-feira, 25 de maio de 2022

TOMAZ RATO (1909 – 1998):

Antifascista que se destacou pela extraordinária determinação nos combates contra a ditadura e pelo exemplo de força, coragem e inconformismo, demonstrados na PIDE, nas cadeias fascistas e, durante cerca de 10 anos, no inferno do Tarrafal. No exílio em França, a sua casa era um lugar de acolhimento de compatriotas, um porto de inigualável solidariedade.
1. Tomaz Ferreira Rato nasceu na Marinha Grande, a 5 de Março de 1909 e faleceu em 3 de Agosto de 1998. Era filho de Firmino Ferreira Rato e de Joaquina Ferreira e casou em 1951 com Palmira Rato, com quem teve cinco filhos: Vladimira, Carlos, Ana Cláudia, Marie-Thérèse e Janete.
Em 1911 o pai levou a família para São Paulo e Tomaz, que trabalhou como vidreiro desde os 7 anos, já sabia ler e seguia de perto as lutas e greves no Brasil (1). Regressaram a Portugal quando ele tinha 13 anos, desde logo ingressou no trabalho vidreiro e foi como operário que se lançou numa greve de crianças (uma luta que referia nas suas memórias). Mais tarde, concorreu como ferroviário para a CP (Caminhos de Ferro) e ficou colocado, primeiro, em Castro Verde, e depois como chefe de estação em Torres Vedras. Com a cumplicidade dos seus camaradas Manuel Vieira Tomé e José de Sousa, organizou então várias células do Sindicato dos Ferroviários (de norte a sul do país). É preso pela primeira vez em 1 de Novembro de 1935, acusado de "actividades comunistas", e passou por diversas cadeias (da PIDE Porto, do Aljube Lisboa, Caxias, Peniche). Julgado pelo Tribunal Militar, em 23 Junho de 1936 é condenado a 20 meses de prisão correccional, e enviado para a Fortaleza Militar Peniche. Porém, em Outubro desse ano, é mandado para o Campo do Tarrafal, Cabo Verde (2), onde permanece cerca de 10 anos, até ser abrangido pelo Decreto de Amnistia de 1945, saindo em liberdade em 1946. Foi o único a tentar a evasão do Campo do Tarrafal (capturado).
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2 Em 10 de Janeiro de 1947 volta a ser preso e é muito torturado. Ao fim de dois dias de tortura de sono, é colocado na tortura de “estátua”, durante cerca de 3 dias, enquanto é permanentemente ameaçado pelos agentes da PIDE de lhe prenderem a Mãe e a companheira grávida. Em Junho de 1948 é julgado no Tribunal Plenário de Lisboa e condenado a dois anos e dois meses de prisão maior. Cumpre a pena em Peniche, mas é retido durante 3 anos e meio naquela cadeia. Em Dezembro de 1949, escreve uma mensagem que faz sair clandestinamente da cadeia, enaltecendo a vitória dos aliados e lembrando que as terríveis condições em que estivera preso no Campo do Tarrafal, se mantinham, após o fim da guerra: «Cada camarada preso enviado para ali é um condenado à morte, a uma morte lenta que o fascismo português não ousa decretar (…) Nas condições em que vivíamos, esperávamos sempre o momento em que a morte nos tocaria pela porta, tal como os prisioneiros de um campo nazi»; e reafirma a sua disponibilidade para a luta (3).
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3. Na saída de Peniche, fica a residir na Marinha Grande e abre a Papelaria Central Marinhense, com a ajuda de um grande amigo pessoal, o advogado antifascista Dr. José Henriques Vareda (que iria apoiá-lo durante toda a vida). Novamente ameaçado de prisão, Tomaz Rato parte para o exílio em Paris, e a sua família junta-se-lhe pouco tempo depois. A sua casa pequena, modesta, é um porto de abrigo no coração do Quartier Latin: ele e Palmira (trabalhando sempre como costureira de alfaiate), recebem os jovens que chegam “a salto”, repartem o pão, ajudam-nos a tratar dos papéis.
No exílio, continua activo, sendo correspondente do Jornal Portugal Democrático e co-fundador e redactor do jornal de ligação à FPNL.
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Em Abril de 1974, é um dos exilados que regressam a Portugal no avião fretado para estarem a tempo da manifestação do 1º Maio.
Só em 1981, voltou a instalar-se na Marinha Grande. Colaborou no jornal «O Correio», cujo director era José Henriques Vareda. Entre Junho e Outubro escreveu diversos artigos sobre o Campo do Tarrafal.
Faleceu em 1998, aos 89 anos
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Em 2016, o filho de Tomaz Rato, Carlos Rato, publica em França um livro sobre a sua família, a emigração portuguesa e o seu desenraizamento, com o título «De nulle part nous ne sommes et nous sommes ici» (4).
NOTAS:
(1) Lia textos sobre política aos adultos, sobretudo os escritos de Kropotkine, conservando essa memória toda a sua vida.
(2) Numa descrição de Faria Borda, um dos prisioneiros: «O campo de concentração era um rectângulo (cerca de 250 m por 180 m) situado num dos sítios mais insalubres do arquipélago de Cabo Verde. Como alojamento existiam umas barracas de lona, onde eram metidos cerca de 12 presos em cada uma. Não havia casas de banho, apenas uns toscos muros de tijolo com uns buracos no chão e umas latas de gasolina para as necessidades. Como cozinha, um telheiro com uns muros por onde a poeira entrava aos montes. Dois indígenas faziam a comida. A alimentação era péssima, havia ocasiões em que era necessário pôr bolas de algodão no nariz pois o cheiro da comida impedia que ela entrasse no estômago. Não havia água potável, apenas água num poço a cerca de oitocentos metros do campo, água salobra que os presos transportavam em latas de gasolina. Mesmo assim era má e em pequena quantidade, não chegando para a higiene. Tomava-se banho com um único litro de água despejada de uma lata onde eram feitos uns buracos para o efeito. (…) Mal desembarcámos, começámos imediatamente a trabalhar. Transportávamos pedras, sob vigilância constante dos guardas. Em Cabo Verde, região de clima variável, calhou chover bastante nesses anos. A lona das barracas apodreceu de tal maneira que lá dentro chovia como na rua e de manhã acordávamos com a cara negra da poeira que se pegava à humidade que sobre nós caía. As águas acumuladas formavam pântanos onde se desenvolviam mosquitos transmissores do paludismo. A saúde de todos nós, presos, arruinava-se. Caíamos atacados da doença chamada biliose. Sem fornecimento de medicamentos e com um médico que era um patife da pior espécie, em poucos dias morreram sete camaradas».
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(3) Refere Bento Gonçalves, Mário Castelhano, Alfredo Caldeira. António Guerra, Guilherme Carvalho e José Ribeiro, de quem cita as últimas palavras, que nunca lhe esqueceram: “Camaradas, vou morrer. Digam lá no sítio que fui sempre fixe até morrer”.
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(4) Carlos Rato, sobre o livro que escreveu, pensa que: «É talvez o único documento em francês em que se fala detalhadamente do Campo do Tarrafal, ou pelo menos, nunca encontrei…». Na apresentação deste livro, disse-se: «Le fascisme portugais est resté discret, planqué derrière des intérêts internationaux et l’OTAN. Pourtant la dictature de Salazar a bien existé avec ses violences, ses persécutions, ses assassinats, ses tortures et ses déportations. En accompagnant la vie d’une famille et surtout d’un homme qui a consacré sa vie contre ce régime, l’auteur ne se contente pas de raconter. Il explique aussi comment « Les hommes sont incapables d’entendre que les forces qui les font tenir dans leurs batailles, qui les maintiennent droit dans leur courage, peuvent blesser atrocement les êtres qui leur sont les plus chers.»
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Biografia da autoria de Helena Pato
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FONTES:
- ANTT, Registo Geral de Presos nº 1478
- «Adeus Companheiro», Álvaro Morna. Jornal de Leiria.
- Relatório enviado por Tomaz Rato, clandestinamente, da cadeia de Peniche para o exterior, em Dezembro de 1949.
- colaboração do filho, Carlos Rato.
Antifascistas da Resistência

Ps: há quem os queira repelir: bandalhos

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