
Enquanto Lisboa exibe ao mundo o brilho do Web Summit, fingindo ser o palco do futuro digital, o país está a ser empurrado para a economia do século XIX — uma economia de salários de miséria, turnos intermináveis e gente exausta a sustentar os lucros dos poucos que chegam de Ferrari.
Chamam-lhe “Trabalho XXI”, mas é a Troika 2.0 , e nem sequer precisou de chegar de avião.
A AD escreve, a IL aplaude, o Chega distrai — e juntos compõem a mais violenta ofensiva contra quem trabalha desde o tempo da troika.
Prometem “modernizar”, mas o que trazem é exploração:
– 50 horas por semana, disfarçadas de “banco de horas individual”;
– contratos a prazo até 5 anos, para eternizar a precariedade;
– menos formação, para garantir uma mão-de-obra dócil e barata;
– despedimento livre pela porta do cavalo, onde até quem ganha em tribunal perde o direito de voltar ao trabalho;
– greves esvaziadas por serviços mínimos automáticos;
– outsourcing sem regras, para trocar trabalhadores com direitos por subcontratados descartáveis.
Tudo isto num país que cresce acima da média europeia, mas onde o crescimento foi para Ferraris, não para salários.
O trabalhador ficou com a inflação, a renda impossível, a casa vendida a fundos, a escola degradada, o hospital sem médicos.
E quando o povo acorda e protesta, chamam-lhe “incompreensível”.
Quando os sindicatos unem forças, chamam-lhe “greve política”.
Quando o povo se defende, dizem-lhe que “a precariedade não é má”.
Claro — a precariedade não é má para quem ganha 4000 € e troca de emprego com indemnizações douradas.
Mas é destruidora para a mãe que trabalha no retalho, para o operário, para a enfermeira, para o motorista.
O Chega cumpre a função de sempre: atira pobres contra pobres.
Inventam “invasões islâmicas”, “ciganos subsidiodependentes”, “imigrantes criminosos”.
Mas o objetivo é claro: primeiro precarizaram os imigrantes, impedindo-os de se legalizar para ficarem presos a intermediários e patrões sem escrúpulos; agora vêm precarizar os portugueses.
A Iniciativa Liberal embala o discurso com palavras bonitas: “flexibilização”, “escolha do trabalhador”.
Mas sem sindicatos, sem rede, sem alternativas, não há escolha — há chantagem. Aceita ou és substituído.
E a “flexibilidade” de uns é a servidão dos outros.
E no meio, a AD — que dizia querer “a economia a crescer como nunca” — apresenta um pacote que destrói tudo o que fez o país resistir à crise: reduz direitos, agrava desigualdades e abre portas a despedimentos em massa.
CGTP e UGT, unidas — até os sindicatos mais próximos do PSD — chamaram-lhe o que é: a lei final, o fim do trabalho com dignidade.
E enquanto o Governo legisla o retrocesso, o país distrai-se com eleições de clubes de futebol, reality shows e os espetáculos do populismo.
Cada vez que o Chega fala em “burqas”, em “criminalidade”, em “corrupção socialista”, um novo artigo da lei é aprovado para tirar direitos a quem trabalha.
Cada vez que a IL fala em “produtividade”, um novo trabalhador é despedido e recontratado como precário.
Cada vez que a AD fala em “modernização”, é mais um turno de 12 horas disfarçado de “escolha”.
Esta é a nova Troika.
Não vem da Alemanha.
Vem das bancadas da Assembleia da República.
E não pensem que isto fica pelo privado.
Depois de destroçarem o sector privado, irão atrás dos funcionários públicos, dos professores, dos médicos, dos enfermeiros.
Quem trabalha é o alvo.
O projeto é claro: um país obediente, cansado, barato, onde o Estado serve os poderosos — nunca os que trabalham.
Um ano e meio bastou.
Sem pandemias e sem guerras, rebentaram as finanças, travaram a economia, destruíram a coesão social, pioraram o SNS.
Um Governo de ilusões e diversões: o que estava mal, piorou; o que estava bem, mal ficou… só ganharam os que já estavam a ganhar.
Meus caros, votaram com medo de imigrantes, ciganos e burcas?
Agora que lhes deram o poder que queriam, o alvo são vocês.
Do blogue Estátua de Sal
Sem comentários:
Enviar um comentário