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sábado, 18 de outubro de 2025

Maio, maduro Maio – adere ao projeto:

(Raquel Varela, in Blog raquelcardeiravarela.wordpress.com, 16/10/2025, Revisão da Estátua) 


Esta minha carta é um convite à ação. É, também, o anúncio de um novo projeto editorial.

A minha dispensa da RTP coincidiu com a apresentação de um programa com comentadores da área da extrema-direita (já quase não há direita), um deles fascista não disfarçado. A nova direcção passou, aliás, pela vergonha pública de o apresentar e, depois, de ter recuar.

Não me surpreende. Como tenho escrito, há um poder de facto AD-IL-Chega cuja linha tem sido a defesa do genocídio da Palestina como “normal”. Isto enquanto na SIC/Expresso se prepara a entrada de capital vindo da extrema-direita italiana, do grupo criado por Sílvio Berlusconi, no grupo de Balsemão.

A democracia formal trouxe-nos a uma situação inédita: quando tinha um só deputado, o líder fascista dominava a comunicação social. Corremos agora o risco de, daqui a uns meses, estarmos a ver programas de TV em que três comentadores dizem para votar num almirante bonapartista contra um cacique fascista ou, então, no cacique fascista contra o almirante bonapartista. Ditadura mais violenta e menos discreta ou menos violenta e mais discreta – será essa a grande escolha?

A minha carta de saída da RTP foi vista três milhões de vezes nas minhas páginas. Recebi cerca de 15 mil mensagens. Tive apoio público de homens e mulheres de trabalho, da cultura, literatura, jornalismo. A todos, o meu muito obrigada.

Refiro estes números para que fique como registo da realidade. Porque quando olhamos para o panorama mediático e eleitoral não vemos a realidade, tudo parece esmagador, de tanta ausência de pensamento, e esse é o maior drama da falta de jornais e de esfera pública – é que cria uma imagem, um espelho distorcido, desolador.

Não, a RTP – muito menos agora -, nem os outros canais, reflectem o mosaico vivo de ideias, acções, trabalho e cultura deste país e do mundo.

Entre as muitas mensagens que consegui ler destaco esta, que me chegou de um editor de televisão:

“No dia em que o André Ventura anunciou a sua candidatura à Presidência da República, [os responsáveis pela informação] editaram uma pequena sequência de imagens com cerca de 60 segundos que foi reproduzida centenas de vezes ao longo daquele dia acompanhada de um grosso título que dizia ‘Fui obrigado a candidatar-me’. Ora, esta sequência de imagens não foi editada de ânimo leve, foram escolhidos, minuciosamente, planos daquele indivíduo em situações de verdadeiro poder, aqueles em que estava mais bonito, melhor enquadrado, cheio de força e confiança, aplaudido, rodeado de bandeiras de Portugal, de pessoas delirantes a rir e a aplaudir, numa ordem crescente de euforia e grandeza… Nem um plano com aquelas expressões idiotas que faz quando é confrontado com uma mentira ou quando simula um ataque durante uma campanha ou quando é repudiado numa arruada ou quando está rodeado de homens maus e cheios de ódio a saltearem-lhes dos olhos e de mulheres ocas embevecidas com um protagonismo que nem sequer entendem… (é uma) campanha para o tornar num salvador da Pátria. Lamento mesmo muito, mas prometo que não vou ficar de braços cruzados a assistir a este tombo da nossa democracia.”

Há anos que defendo a necessidade de uma esfera pública dos trabalhadores, autónoma do Estado e das grandes empresas. Portugal tem uma esfera pública pobre. Tudo depende do dinheiro do Estado e das câmaras ou das empresas. A maior esfera pública que tivemos foi no final do século XIX, quando os sindicatos e sócios financiavam jornais, os quais tinham suplementos de cultura, escolas, teatro. Esse é o princípio que, acho, nos pode tirar deste pântano.

Hoje mesmo nasce um jornal, o Maio (ver link no aqui), que toma partido pelo lado dos que vivem do trabalho, da cultura e da educação. Vou colaborar nele pro bono, pagando quota como os restantes sócios. Mas estamos decididos a pagar corretamente a quem se dedicar profissionalmente ao Maio e assegurar meios de investigação e técnicos.

O Maio tem, na casa de partida, o apoio de alguns sindicatos, trabalhadores e intelectuais de todas as áreas. Lá farei o meu programa de comentário semanal. Porém, o “Maio” não singrará sem apoio das massas.

Se, dos 3 milhões que leram a minha carta, 2% pagarem uma quota de 1 a 5 euros por mês; se alguns, que possam, derem 50 ou 100 euros por mês; se mais sindicatos se tornarem sócios, conseguiremos ter um jornal empenhado, sério, rigoroso, livre e culto. E auto-sustentado.

Estamos perante uma contra-reforma laboral que quer suprimir direitos essenciais à vida e ao trabalho. Precisamos de organização, da participação de milhares na vida pública, como aconteceu a seguir ao 25 de Abril de 1974. O fascismo não se derrota só, nem principalmente, nas urnas. Derrota-se com organização.

Se não quiserem organizar-se com o Maio, organizem-se noutro lado qualquer. Mas organizem-se! No trabalho ou no bairro, em torno de um grupo de reflexão sobre o trabalho, com um boletim ou um jornal caseiro: juntem-se, criem amizades, participem nas assembleias do vosso sindicato (e critiquem-no, se necessário), mas façam parte, tomem partido. Se necessário, usem de discrição: há cada vez mais gente a ser despedida ou perseguida por se organizar.

Pedem-me para deixar esta explicação. O trabalho no Maio é hoje voluntário. Se querem ser apoiantes, subscrevam a newsletter. Se vos interessa ser sócios ordinários, sócios um pouco mais generosos ou simplesmente prestar ajuda técnica, enviem por favor um e-mail para geral@jornalmaio.org

O meu avô César tinha uma mercearia em Garvão, onde se lia Tolstoi e o jornal A Batalha. Ele morreu com 93 anos. Contou-me o meu pai que nos anos 60, durante a ditadura, inaugurou-se a Casa do Povo da localidade. O criminoso que representava o ditador gritou: “Viva metade de Garvão!” – a metade da aldeia que tinha dado dinheiro para o grémio fascista que a Casa do Povo era. O meu avô César gritou: “Viva a outra metade!”

Há alternativa. Temos de a construir. Não sei se somos milhões. Mas sei que na “outra metade” somos muitos.

Do blogue Estátua de Sal

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