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sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Um Ano Novo sem gás barato!

(João-MC Gomes, In VK, 02-01-2025, revisão da Estátua)


A decisão da Ucrânia de não dar continuidade ao contrato de fornecimento de gás natural para a Europa vindo da Rússia, apresenta um desafio significativo não apenas para a Ucrânia, mas para a segurança energética de toda a Europa. A questão exige uma análise cuidadosa e uma abordagem estratégica que envolva uma conciliação de esforços das nações europeias – principais prejudicadas – para garantir que, enquanto alternativas viáveis não estiverem plenamente desenvolvidas, o continente consiga mitigar os riscos associados a essa interrupção no fornecimento de gás barato russo.

A Ucrânia, historicamente, tem sido uma importante via de passagem para o gás natural russo que abastecia a Europa. A hipótese de retaliação russa, através da destruição ou concretizando o fim da utilização dessa infraestrutura de gasodutos, agravada pela já precária situação geopolítica, expõe o país a um cenário onde a sua própria rede energética poderá ser severamente afetada.

A destruição eventual dos seus gasodutos, em especial em tempos de guerra ou conflito, agrava ainda mais as dificuldades internas já há muito sentidas. A Ucrânia será forçada a recorrer a fontes externas, como gás natural liquefeito (GNL) importado via países vizinhos, ou a tentar aumentar a sua própria produção interna, o que, sem uma infraestrutura adequada, se mostra uma solução de médio a longo prazo. Ainda a hipótese dos navios transportadores de GNL – via Mar Morto – serem destruídos está no horizonte de uma guerra que está ainda longe de terminar. Ou seja, ao querer “fechar” a torneira do gás russo para a Europa, Zelensky pode ter dado um enorme tiro certeiro contra a sua própria politica e economia.

Entretanto, a simples busca por alternativas externas não resolverá os problemas energéticos da Ucrânia no curto prazo. O GNL, embora uma fonte importante de gás, requer uma complexa infraestrutura de importação e distribuição, que a Ucrânia ainda não possui de forma robusta. Enquanto as nações da União Europeia têm investido em terminais de regaseificação e gás reverso de vizinhos como Polónia, Eslováquia e Hungria, essas soluções dependem de interconexões que são limitadas em sua capacidade, e a logística de transporte de GNL através da região é uma operação cara e de longo prazo.

Se a Ucrânia não conseguir restaurar ou ampliar as suas opções de importação, a sua vulnerabilidade energética crescerá substancialmente, tornando o país ainda mais dependente de fornecedores externos e expondo sua economia a choques no mercado de energia. E ainda existe a ameaça de retaliação de alguns dos seus atuais aliados que já ameaçaram deixar de fornecer energia elétrica à Ucrânia, como o caso da Eslováquia.

Além disso, a opção de recorrer a fontes renováveis, como energia solar e eólica, embora necessária e vantajosa para a sustentabilidade a longo prazo, não substituirá rapidamente a necessidade de gás natural, especialmente em períodos de alta procura ou em climas mais rigorosos. O aumento da produção doméstica de gás também enfrenta barreiras significativas, incluindo a falta de investimentos e a infraestrutura necessária para extrair e distribuir esse gás de forma eficiente.

A Europa, por sua vez, enfrenta um dilema semelhante. Embora os países da União Europeia se tenham esforçado para diversificar suas fontes de energia, aumentando a importação de GNL dos EUA, Qatar, Nigéria e outros países produtores, o mercado de gás permanece volátil e os preços tendem a ser mais elevados devido aos custos de liquefação e transporte.

A interrupção do fornecimento russo pode, portanto, colocar pressão adicional sobre a procura de GNL, levando a aumentos nos custos e impactando diretamente a economia dos países europeus, especialmente aqueles que dependem fortemente de gás para aquecimento e geração de eletricidade.

A solução para a questão do término do contrato de gás entre a Rússia e a Ucrânia passará, inevitavelmente, por uma conciliação de esforços entre as nações europeias. Será necessário coordenar a construção de novas infraestruturas de importação de GNL, melhorar as interconexões entre os países da UE, e acelerar o investimento em fontes de energia renováveis e alternativas. O apoio à Ucrânia para restaurar a sua capacidade interna de produção e distribuição de gás, assim como sua integração mais profunda ao mercado energético europeu, também será muito difícil atendendo aos custos da guerra – já enormes – embora sendo fundamental para que o país possa atravessar a transição energética sem comprometer a sua segurança energética e militar. Ou seja, a Ucrânia – com esta medida de não aceitar o passagem do gás russo para a Europa – pode ter sido autoderrotada pela via da sua politica energética.

Entretanto, é preciso ser realista quanto ao tempo necessário para que as soluções de longo prazo se concretizem também para a própria Europa. Se a Ucrânia corre o risco de sofrer um impacto energético negativo no futuro próximo – se não houver uma colaboração eficaz e urgente entre os países da União Europeia – a própria Europa verá com dificuldades a solução para as suas necessidades dessa energia.

A conciliação de esforços, a solidariedade entre os membros da UE e a visão estratégica para diversificar as fontes de energia – que são os pilares sobre os quais o futuro energético da Ucrânia e da Europa deve ser construído – podem claudicar rapidamente. Isso provocará a maior crise energética dos últimos anos e os cidadãos europeus verão como a sua vida económica se degradará com o aumento da inflação e dos custos de produção.

Do blogue Estátua de Sal 

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