«Injustice anywhere is a threat to justice everywhere.»
Martin Luther King Jr.
Uma das perversões de se nascer em liberdade é a de não se saber o que é uma ditadura, uma tirania. Mas pode-se levar a inteligência para uma aproximação ao que está em causa nesses regimes não democráticos expondo a sua conexão com a liberdade de expressão e liberdade de imprensa: não as permitem, são das primeiras liberdades a serem anuladas. Na Rússia, China, Arábia Saudita, Cuba, Irão, Coreia do Norte, por exemplo, são miragens.
Nos países onde o liberalismo filosófico molda as constituições, como Portugal, pressupõe-se que a democracia é o melhor sistema político para o maior número de cidadãos. Por inerência, pretende-se que esses cidadãos exerçam a sua cidadania da melhor forma possível para se cumprir o ideal democrático. Tal implica ter cidadãos educados e informados, de forma a que as suas decisões, da intervenção pública ao voto ou ao exercício de cargos políticos, possam ser autónomas, justas, eficazes, bondosas. Nesta utopia, ao jornalismo é oferecido um papel institucional da maior importância: o de elevar a voz do cidadão comum a um plano de notoriedade que fique ao nível da voz dos poderes máximos, e de ser um espaço de liberdade intelectual e política para indivíduos e organizações, assim fortalecendo e cumprindo a democracia pela veiculação da diversidade de opções políticas, e ainda por se fazer o controlo público do exercício do poder governamental e em demais esferas estatais de soberania e administração. É, portanto, uma bela e difícil missão a do jornalismo. Imprescindível missão em democracias — o reino do primado das leis livres — para estas estarem em perpétua realização. A do jornalismo jornalismo.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da 1º Instância no processo onde Fernanda Câncio ganhou a causa estabelece algo mais do que o valor da indemnização. Ao condenar o jornal Correio da Manhã e cinco jornalistas, a Justiça está a dar como provada uma situação de difamação sistemática organizada por um grande grupo de comunicação com potenciais consequências devastadoras e duradouras para a vítima, algo congénere a uma prática de violência psicológica e social institucionalizada. Isto porque foram condenados três jornalistas que assinaram notícias intencionalmente falsas, mais o então director-adjunto Eduardo Dâmaso, mais o então director Octávio Ribeiro. É uma responsabilização horizontal e vertical, retrato da cultura da casa e da estratégia da Cofina que transcende os danos individuais causados a Fernanda Câncio, impactando negativamente o ecossistema mediático, a sociedade e o próprio Estado de direito.
O jornalismo que o quer ser não pode violar direitos fundamentais, como o direito ao bom nome, à privacidade e à presunção de inocência. Deve respeitar o rigor, a verdade e a ética profissional, conforme previsto na lei e no Código Deontológico dos Jornalistas. A dimensão do impacto da Cofina na perseguição a Fernanda Câncio ilustra os perigos do uso irresponsável do jornalismo enquanto ferramenta de ataque e manipulação. O peso da Cofina no panorama mediático português amplifica exponencialmente as consequências destas práticas, exigindo uma resposta proporcional de entidades reguladoras, do público e do próprio sistema judicial para restaurar os princípios fundamentais do jornalismo e da democracia. Resposta essa que não veio nem virá, se exceptuarmos o caso judicial na berlinda. Como se viu, como se vê.
A Cofina serve-se das proteções especiais que o Estado de direito, através da Constituição, concede à imprensa livre e responsável para violar repetidamente os seus deveres éticos e deontológicos, e ainda consegue a cumplicidade do sistema político e da sociedade que nem levanta cabelo ou solta um pio. Um sistema político e uma sociedade que, lá no fundo bem escondido, desprezam a liberdade.
9 Janeiro 2025 às 9:09 por Valupi
Do blogue Aspirina B
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