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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

No labirinto do “governo invisível”:

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 21/12/2024)



O turbilhão de acontecimentos que atinge a Europa é deliberadamente ilegível, tal a intensidade de narrativas fabricadas, encarniçadas contra a debilidade da verdade material. Querer substituir a dureza dos factos pelas opiniões convenientes, é receita certa para o desastre. Tentemos, pelo menos, entender o essencial.

Depois de quase três anos de guerra europeia, a sorte das armas favorece a Rússia. Biden, perdidas as eleições, sem autorização de Trump (segundo confissão do próprio), resolve envolver-se diretamente no conflito (com o apoio de Londres), através do uso de mísseis contra alvos na Rússia. É um gesto de temerária e violenta fraqueza, mas arriscando generalizar a guerra. A bandeira da democracia é desfraldada nos discursos dos seus dirigentes, enquanto a UE é cúmplice num golpe de mão contra a Roménia, usando como espada o seu Tribunal Constitucional: o candidato que iria ganhar folgadamente a segunda volta, Calin Georgescu, queria sair da guerra e travar a construção na Roménia da maior base da NATO. Os protestos foram abafados, incluindo com detenções…

A retórica humanista do Ocidente tem coabitado com a perseguição a cidadãos que nos EUA, Alemanha e Reino Unido protestam contra o genocídio e a violência extrema de Israel em todo o Médio Oriente (apoiado por esses países). Von der Leyen desobedeceu à exigência do Tribunal Europeu de Justiça, não-divulgando a sua correspondência privada com o CEO da Pfizer, em 2021, no caso que envolveu a compra bilionária pela UE de vacinas anticovid. Como “punição”, foi reinvestida na presidência da CE… O descontentamento popular com o empobrecimento europeu, muito forte em Paris e Berlim, bate no muro blindado de uma ordem, aparentemente, inamovível.

Como explicar o que paralisa os cidadãos, atrofiando a sua capacidade de pensar e protestar? 
Para perceber o que mudou na estrutura do poder nas democracias representativas, temos de recuar quase um século, até Edward L. Bernays (1891-1995). Eis a tese central do seu seminal livro Propaganda (1928): “A manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões organizados das massas é um elemento importante na sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo invisível da sociedade constituem um governo invisível que é o verdadeiro poder governante do nosso país [EUA].

O resto foi explicado por Hannah Arendt, num artigo de 1967, “Verdade e Política”: os interesses instalados criaram uma indústria de “mentira organizada”. As verdades empíricas, os factos, são apresentados como meras opiniões. É onde estamos, numa perigosa encruzilhada. Desprovidos da bússola existencial que separa a verdade da falsidade.

Do blogue Estátua de Sal

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