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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A Revista Mais Alentejo honra o Alentejo e tem um rosto, o do António Sancho:

Colaboro com textos que não deslustrem a Revista - é que eu sou do Aquem Tejo, ou do Riba-Tejo. Já enviei o texto para a próxima Revista. deixo aqui texto da revista que está a terminar o seu ciclo. Não há tema. Liberdade absoluta.
O que ganho com isso?
A pergunta reflete a posição de cada um perante os outros. A sua posição perante a sociedade e perante a vida. Talvez tenha sido essa a pergunta que o primeiro homem fez, a pergunta que o distingue dos outros seres vivos. A relação do homem com os deuses que ele próprio criou começa com um negócio: que ganho em acreditar em ti? A resposta dos deuses foi adaptada ao mercado dos compradores: um paraíso eterno, segurança, defesa contra os inimigos, as doenças, as pragas, tempo adequado à agricultura, à caça ou à pesca, poder.
O panteão dos deuses, o olimpo, era e é um mercado. A questão do Deus único é uma forma de monopólio, talvez o primeiro da História. O Deus único é o que promete tudo, o absoluto. Ao homem resta escolher entre o Paraíso e o Inferno. O Deus único apresenta os seus mandamentos e o homem pergunta: o que ganho eu com isso? Deus responde: ganhas a Salvação. O Homem devia responder que não necessita de ser salvo. A sua única finalidade, aquilo em que se esgota, é na existência, em ser. O ser não tem função, não tem finalidade: existe. Se não existisse nada se alteraria no Universo, que é infinito. Mas também não existiria um Deus para os homens. O homem não tem salvação, nem necessita dela. Uma folha não tem salvação, nem necessita dela, cumpre o seu destino, cairá da árvore num dado momento e em circunstâncias aleatórias, ao fim de um ciclo, devido a um fenómeno da natureza, vento, chuva, fogo. Uma folha, tal como o homem, não necessita de salvação, mas não perguntou o que ganho com isso a um deus que lhe tenha prometido salvar-se das estações do ano, das pragas, dos cataclismos, dos que cortam a árvore.
O que ganho com isso? É a pergunta que, depois de a termos feito aos deuses, fazemos a cada momento aos nossos semelhantes. Uma pergunta que nos coloca no mercado. Que indica estarmos dispostos a vendermo-nos. E, sendo assim, que estamos dispostos a abdicar da ética, isto é, do sentido do que devemos fazer para existir enquanto comunidade e o trocamos pela vantagem imediata e individual, ou do pequeno grupo.
A ideologia dominante no Ocidente, que se designa agora por Ocidente Alargado, o mundo que compra e vende em dólares e pergunta em inglês, é a que tem como lema: o que ganho com isso? – a do mercado do ser. Em que cada Eu tem um preço, e está em leilão. Em que o sucesso é o dos que se conseguem vender mais caro, ou ter mais compradores.
A ideologia da barganha é, tal como as religiões do Deus vendedor de salvação, um veículo de sujeição: o homem que pergunta o que ganho com isso é um ser isolado, logo, fraco, facilmente capturável e domesticável. É o ser que antigamente era “trabalhador” e hoje é “colaborador”. É o ser com cartão de fidelidade.
A pergunta: o que ganho com isso? - é a que os manipuladores do nosso comportamento pretendam que façamos em todas as circunstâncias decisivas: ao votar, ao aderir a uma associação, ao adquirir um produto, porque significa que podem atomizar-nos, fazer de nós o objeto que maior lucro lhes proporciona. Quanto perguntamos: o que ganho com isso, já estamos a perder. Já estamos a colocar-nos na posição da mercadoria.
Devíamos perguntar: o que ganham vocês com a minha venda, comigo. O que ganham vocês com o meu voto, com a minha assinatura, com a minha cota, com a minha aceitação e resignação, com o meu silêncio e cumplicidade.
A pergunta que deveríamos fazer seria, se não quisermos cair na ilusão da nossa excecionalidade: o que ganhamos Nós, aqueles que são como eu, com isso. Nós, aqueles que se encontram na mesma situação. Ou perguntarmos entre nós: o que ganhamos com aquilo, isto é, com o que o Outro nos está a oferecer.
Hoje, as perguntas seriam: O que ganhamos com as guerras para as quais os outros nos estão a convocar? O que ganhamos com os carros elétricos, os aeroportos, os seguros de saúde, os crimes de miséria moral e material, os escândalos de bordel que nos vendem? E devíamos exigir respostas a quem não nos responde ao que temos a perder com o que nos obrigam a comprar, as frutas podres que nos metem no saco de compras.
Carlos Vale Ferraz

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