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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Eliminação de Bin Laden em 2011, o Nordstream 2, etc... HISTÓRIA DE HERÓIS PODEROSOS E/OU DE TRAIDORES NA SOMBRA?

– Esteve a dar agora à tarde no Canal História o documentário "Revealed: The Hunt for Bin Laden", de 2021, dirigido por Andrew Kokura e produzido pelo canal para marcar o 20º aniversário dos atentados do 11 de Setembro de 2001 contra as torres do World Trade Center, em Nova Iorque. O filme propõe-se revelar tudo o que esteve por detrás da caça a Bin Laden, culminando na operação final em que 24 membros do Team Six dos comandos SEAL dos Marines invadiram a casa fortificada onde se refugiava o líder da Al Qaida, em Abbottabad, cidade próxima da capital paquistanesa Islamabad, onde está situada também, a cerca de mil metros, a principal Academia Militar paquistanesa, que forma os oficiais do exército daquele país.
Já tinha visto este documentário quando da sua primeira emissão, em 2021. Mas resolvi vê-lo de novo agora, que conheço a outra narrativa sobre esta história, revelada recentemente (há cerca de três semanas) pelo repórter de investigação norte-americano Seymour Hersch, vencedor do Prémio Pulitzer de Reportagem Internacional e de numerosíssimos outros prémios. Especializado em geopolítica, actividades dos serviços secretos e assuntos militares dos Estados Unidos, Hersch é também autor de oito livros sobre esta temática.
Entre os muitos temas expostos ao mundo por Seymour Hersch ao logo da sua carreira de cinco décadas estão a revelação do massacre de My Lai, no Vietnam, em Novembro de 1969, que lhe valeu o prémio Pulitzer de 1970, a revelação do projecto Jennifer (tentativa de resgate dos destroços do submarino soviético K-129 promovida pela CIA, também em 1969, visando recuperar, em proveito dos Estados Unidos, dados e tecnologias soviéticas); a revelação das actividades ilegais da CIA contra organizações pacifistas e outros movimentos políticos de oposição, nos Estados Unidos, em 1974, o que resultou na demissão de James Angleton, chefe da contra-espionagem da CIA; a revelação da existência do Office of Special Plans (OSP) do Departamento de Defesa norte-americano, ao publicar o artigo "Selective Intelligence", em 2003.
O último grande escândalo revelado por Seymour Hersch é a denúncia de que foi a Marinha dos EUA que, com o apoio das forças armadas da Noruega, da Royal Navy e dos serviços secretos britânicos que fez explodir o gasoducto Nordstream 2, no Mar Báltico, no âmbito da guerra Rússia/Ucrânia. Um facto prontamente negados pelos EUA e que que continua envolvido em denso secretismo nos meios de comunicação internacionais. Sublinho que até agora, só blogues especializados pegaram neste assunto, os grandes jornais e canais de televisão mantêm este assunto no maior silêncio, nem o desmentido oficial de Washington deram, para não levantar a lebre ante o grande público...
Todas as revelações de Seymour Hersch foram na altura total e energicamente desmentidas pelas autoridades americanas, desde o massacre de My Lai até aos maus tratos a prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Graib, no Iraque, por parte de militares americanos. Todas as suas revelações ao longo destes 50 anos foram também sistematicamente confirmadas como extremamente rigorosas e comprovadas com documentos oficiais entretanto desclassificados...
Voltando ao documentário, ele está construído com entrevistas a participantes no evento, tanto militares operacionais, políticos ao mais alto nível, desde o presidente Obama, Hilary Clinton (então secretária de Estado) directores e espiões da CIA e de outros serviços de informações americanos, almirantes e generais, entre outros. Tudo parece verídico e autêntico, o documentário é muito convincente, realizado com absoluta mestria e reflectindo com virtuosismo a arte de contar uma história a partir de imagens reais, outras virtuais e de testemunhos presenciais. É um trabalho digno da máquina cinematográfica de sonhos de Hollywood. No entanto, quase todos os testemunhos são mentira, embora misturada habilmente com factos reais e verificáveis...
Na altura em que este documentário foi emitido pela primeira vez no Canal História, há dois anos, esta versão aqui veiculada representava a cristalização virtuosa da narrativa parcelar até então existente, feita de relatos parciais ao longo dos dez anos busca e da operação que culminou na eliminação de Bin Laden em Abbottabad. A narrativa sublinha também, a todo o momento, o perigo extremo da operação, feita bem no interior do Paquistão, onde Bin Laden é venerado quase como um santo e um herói do Islão. De acordo com esta versão, o comando que efectuou a operação poderia a qualquer momento ser atacado pelas poderosas e superiormente equipadas forças militares paquistanesas. A ideia que se procura infundir com esta narrativa no público é que quem tenta uma operação tão absolutamente arriscada só pode ser alguém infinitamente poderoso e dono de uma heroicidade sem limites. Esta terá que ser, fatalmente, a conclusão final de quem vê este documentário. Está tão bem feito que é difícil de contestar, apesar de que, quem pensar bem na sucessão de factos encontra facilmente uma série de perguntas sem resposta.
Acontece que agora, depois das revelações de Seymour Hersch, sabemos que grande parte daquela narrativa é pura e simples mentira. Seymour Hersch revelou que não foi a investigação dos serviços secretos americanos que descobriu o paradeiro de Bin Laden. Foi o Paquistão que disse a Washington que tinha Bin Laden escondido sob sua protecção. Ou seja, a famosa história da formidável vigilância ao chamado 'correio humano' de Bin Laden' é invenção pura, nunca existiu. Hersch disse também que a operação de captura e morte de Bin Laden foi longamente negociada no maior dos segredos entre a diplomacia dos EUA e uma facção do governo e das Forças Armadas do Paquistão (que tem um forte sector muito ligado aos fundamentalistas, que protegiam Bin Laden). Foi aprovada por Washington e Islamabad e executada com a total anuência das autoridades das autoridades paquistanesas debaixo do maior segredo.
Ou seja, os Marines americanos nunca estiveram em real perigo de serem descobertos e abatidos pela defesa aérea ou terrestre do Paquistão. Pelo contrário, tiveram a total cobertura e cooperação de sectores militares e civis de Islamabad. Fizeram aquela operação nas calmas. Afinal tudo, a missão não passou de um ‘inside job’ paquistanês, executado pelos americanos!...
Porém, o governo do Paquistão nunca poderia admitir que participou na captura e morte de Osama Bin Laden, dada a popularidade do líder da Al Qaida no país e no mundo islâmico em geral, uma vez que, a todos os níveis, o colaboracionismo dos paquistaneses com os americanos neste caso pode perfeitamente ser considerado pelos fundamentalistas islâmica como uma imensa traição ao Islão. Por isso se criou a narrativa de que foi tudo uma operação exclusivamente americana, feita nas barbas dos paquistaneses, sem o seu conhecimento. Uma narrativa que também convém aos americanos porque sublinha a sua força, o poder da sua tecnologia e a heroicidade e arrojo dos seus militares. Uma imagem positiva que convém propagar no mundo.
Esta mentira, conveniente a Washington e a Islamabad, foi engolida tanto por islâmicos, como por todo o resto do mundo...
Por isso, ao rever este documentário tão bem feito do Canal História – e contrastando-o com o persistente silêncio do sistema mediático internacional sobre as revelações de Seymour Hersch feitas há três semanas sobre a destruição do Nordstream 2 – não posso deixar de pensar no número de narrativas fantasiosas, senão mesmo puramente mentirosas veiculada diariamente através dos cada vez mais acríticos e submissos meios de comunicação internacionais.
Somos todos enganados, todos os dias, com narrativas que visam unicamente encobrir realidades inconfessáveis e garantir aos detentores do poder que lá continuarão. Temos a obrigação de duvidar de tudo o que nos contam, temos a obrigação de mantermos os olhos abertos, para não sermos comidos por lorpas. Basta de darmos tiros nos pés e de aplaudirmos como papalvos quem nos engana malevolamente!...
Zé-Antonio Pimenta de França

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