Parto do princípio de que os proclamadores da frase, que vão de Joe Biden da América, a Ursula Von Der Leyen da União Europeia e a Jens Stoltenberg da NATO –personagens simbólicas e institucionais do “nosso” mundo, o “Novo Ocidente”, ou o “Ocidente Alargado”, como a propaganda agora designa o Ocidente cristão sem a Rússia, mas com a Austrália e a Nova Zelândia — se referem a princípios éticos, aqueles que servem como guia para definir uma conduta válida e boa e não a princípios pragmáticos do género, para já vendo estes, mas posso mandar vir outros.
Considero a Ucrânia um assunto esclarecido em termos de interesses em jogo, resta-me esclarecer quais os princípios que em nome do grande e antigo espaço de valores culturais e de interesses a que pertenço e que voltou a recorrer ao conceito antigo de Ocidente, estão a ser defendidos na Ucrânia.
Esse esclarecimento exige que conheça quais os princípios emitidos para o mundo a partir de Washington, a capital que substituiu Roma e mais tarde Londres como sede do Ocidente. Quem são os “patrícios romanos” que enviam as legiões de misseis Patriots para os confins do império a fim de imporem os princípios que justificam os seus interesses?
As estatísticas informam que 80% dos senadores e representantes instalados no Capitólio são multimilionários. Mesmo sem adotar a frase atribuída a Balzac de que atrás de toda a grande fortuna existe um crime, o facto da cúria que estabelece os princípios ser de multimilionários é significativo. A grande maioria dos cidadãos do Ocidente não é milionária. E a restante humanidade ainda menos que os ocidentais. No entanto, os pregoeiros do Ocidente, aqueles com acesso aos púlpitos das grandes redes de comunicação dominadas pelos tycoon da produção de ideologia e dos seus princípios, têm promovido a defensores dos princípios dois dos seus novos heróis: Elon Musk, o dono do Twiter e dos foguetões da Space X que asseguram as comunicações que permitem fazer a guerra na Ucrânia (aquela em que os ucranianos comuns morrem para o seu chefe defender os “nossos princípios”), e Sam Bankman-Fired, o especulador da FTX, a bolsa das criptomoedas que aos trinta e dois anos conseguiu a dupla proeza de “valer” vinte mil milhões de dólares e falir de um dia para o outro! Trump, o terceiro mosqueteiro, caiu entretanto em desgraça.
Estes trio, agora eduzido a duo (mas não será difícil substituir o has been loiro), configura o modelo de herói da sociedade cujos princípios estão na verdade a ser defendidos na Ucrânia. Os princípios do Ocidente, transformados em religião oficial, foram estabelecidos nos anos 80 por Reagan e Tatcher, o divino par, que entregou a Pinochet , em Santiago do Chile, em 1973, as tábuas da nova lei fabricada pelos boys da Universidade de Chicago, chefiados por Milton Friedman.
Os princípios que estão a ser defendidos na Ucrânia são os de Elon Musk e de Sam Bankerman-Fried, figuras a quem Robert Reich, articulista do «The Guardian», classificou como “Os Monstros do Capitalismo Moderno”, num artigo de 24 de Dezembro. Haverá outros, mas estes são exemplares de referência, por reflexo dos oligarcas russos e ucranianos.
Os princípios que estão a ser defendidos na Ucrânia são os dos plutocratas egoístas que exibem a sua riqueza na praça pública das redes de comunicação, que dominam, que compram e destroem a seu bel-prazer. Estes são os princípios de liberalismo e saque que estão a ser defendidos na Ucrânia em nome do Ocidente e agora com uma arma com o nome comercial de Patriot! São também os princípios dos demagogos e populistas que estão a corroer a estrutura das democracias liberais do Ocidente. Eles, aliás, bem se esforçam por garantir que na Ucrânia se defendem os nossos (deles) princípios, o que é verdade! Será mesmo a única verdade sobre o conflito.
Os meus princípios são um assunto pessoal, mas os interesses defendidos pelos mísseis Patriot e restante parafernália, proclamados como os “nossos” pelos multimilionários que surgem do nada (de cadastro limpo) são um assunto que, queira eu ou não queira, interferem na minha vida, vão provocar alterações radicais nos direitos da sociedade a que pertenço, na limitação da minha liberdade, na perda de bens sociais, na insegurança, empobrecimento, violência no futuro dos meus sucessores.
Os “monstros do capitalismo” têm toda a razão quando mandam os seus apóstolos da comunicação social afirmarem que na Ucrânia se defendem os “nossos” interesses e podiam acrescentar que também em Israel e no Kosovo. Mas os “nossos” são os “deles”. É uma grande diferença para quem não aluga misseis nem satélites nem negocia em moedas virtuais.
Carlos Matos Gomes



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