Conselho Superior recusou-se a enviar ao ECO o relatório que
revela que não foi feito um sorteio eletrónico do processo Marquês. Foi
distribuído diretamente a Carlos Alexandre.
Sete anos depois de Sócrates ter sido detido, em direto para
as televisões verem, no aeroporto de Lisboa — no âmbito da Operação Marquês –,
o Conselho Superior da Magistratura (CSM) admite que o processo foi parar
diretamente às mãos do juiz de instrução, na fase de inquérito, sem passar pelo
sorteio eletrónico, como manda a lei, segundo avançou o DN.
Porém, no relatório que o CSM redigiu em novembro, o órgão
que fiscaliza a atuação dos juízes fala apenas numa “irregularidade
procedimental”. O ECO/Advocatus pediu para consultar esse mesmo relatório, mas
a resposta do CSM foi negativa. “Sobre o pedido de acesso ao relatório em
questão, informa-se que o mesmo não será disponibilizado. Este foi remetido ao
requerente, de acordo com decisão do plenário de dia 9 de novembro de 2021,
devidamente anonimizado no que concerne à identidade dos intervenientes”, disse
em resposta.
Operação Marquês: Sócrates e Santos Silva vão a julgamento
https://eco.sapo.pt/2021/06/08/operacao-marques-socrates-e-santos-silva-vao-a-julgamento-antes-das-ferias/
Em abril do ano passado — logo após a decisão instrutória do
processo Marquês — o vice-Presidente do CSM, José Lameiras, ordenou a
realização de uma “averiguação no sentido de saber se existem, ou não, novos
elementos que não sejam do conhecimento do Conselho”, no que toca à
distribuição manual feita do processo da Operação Marquês — em 2014, na fase de
inquérito — que foi parar às mãos de Carlos Alexandre.
O CSM decidiu agir depois da queixa do juiz de instrução Ivo
Rosa — que acabou a pronunciar Sócrates de seis crimes, numa das decisões mais
polémicas da história da Justiça portuguesa — em que denunciou que a maioria
dos processos que foram parar ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC)
– onde estavam apenas colocados Carlos Alexandre e o próprio Ivo Rosa — foram
distribuídos de forma manual, sem sorteio. O que não é conforme à lei, já que
obriga a que estes sorteios sejam eletrónicos, para evitar distribuições
arbitrárias. Ivo Rosa vai mais além: explica que esta suspeita recai sobre o
período temporal de setembro de 2014 e abril de 2015.
Ou seja, na altura em que o processo, vindo do Ministério
Público, foi parar às mãos de Carlos Alexandre – a 9 de setembro de 2014 – que
ficou o responsável pelo mesmo na fase de inquérito. E que resultou na prisão
preventiva do ex-líder do Governo por quase um ano e numa detenção filmada em
direto pelas televisões portuguesas, no aeroporto de Lisboa. No total, foram
distribuídos 215 processos, 128 de forma manual, segundo as contas do próprio
Ivo Rosa, no despacho de instrução.
CSM investiga sorteio manual do Marquês a Carlos Alexandre
https://eco.sapo.pt/2021/04/14/csm-investiga distribuicao-manual-do-marques-a-carlos-alexandre-na-fase-de-inquerito/
Segundo Ivo Rosa, entre setembro de 2014 e abril de 2015, Carlos Alexandre terá recebido 26 processos por distribuição eletrónica, 33 por sorteio manual e 56 por atribuição manual. Já para João Bártolo — o juiz que à época estava no Ticão — foram 26 processos por distribuição eletrónica (sorteio), 38 por sorteio manual e 72 por atribuição manual.
O inquérito — cujas conclusões o ECO teve acesso — defende que esta atribuição ao juiz Carlos Alexandre violou o princípio do juiz natural, princípio que garante a imparcialidade e a independência de quem vai apreciar o processo. Mas assumiu que agora já é tarde para agir porque o procedimento disciplinar já caducou. E justifica que não admite que tenha havido “dolo” nem “má intenção” nesta distribuição manual. Questionado pelo ECO/Advocatus, o Conselho Superior da Magistratura informa que já prestou diversos esclarecimentos sobre o tema não fazendo mais comentários.
A atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre foi executada por uma funcionária judicial sem a presença de nenhum dos dois juízes que então integravam o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). A defesa de Sócrates alega que esta funcionária que fez a distribuição “já vinha a trabalhar com Carlos Alexandre há anos” em outro tribunal e que “não era ela que estava para ser nomeada escrivã do TCIC” em setembro de 2014.
Segundo o advogado de José Sócrates, o CSM recusou durante cinco meses a José Sócrates a entrega das conclusões deste inquérito, tendo sido necessário recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que ordenou que fosse entregue a documentação.
No entender do advogado, a distribuição do processo foi feita por
uma funcionária judicial “da absoluta confiança do juiz Carlos Alexandre”.
Pedro Delille lamentou ainda que o órgão máximo de gestão e
disciplina da magistratura judicial considere que o sorteio eletrónico dos
processos seja obrigatório, mas depois não retire as devidas consequências
quando tal não acontece.
O advogado de José Sócrates lembrou que o juiz de instrução Ivo
Rosa considerou que havia uma nulidade insanável na forma como o processo foi
entregue ao seu colega Carlos Alexandre, mas em vez de tirar consequências,
“chutou para canto”.
O advogado do ex-primeiro-ministro admitiu ainda que esta questão
possa vir a ser evocada pela defesa no decurso do processo, uma vez que se
trata de “uma nulidade absoluta”.
Entretanto, em carta aberta ao CSM divulgada pelo Diário de
Notícias, José Sócrates afirmou que “o relatório admite, finalmente, que (…) a
distribuição do processo Marquês foi manipulada e falsificada”.
Juíza diz que Sócrates deve ir já a tribunal por 3 crimes
https://eco.sapo.pt/2021/06/08/operacao-marques-socrates-e-santos-silva-vao-a-julgamento-antes-das-ferias/
“Não foi feita por sorteio, não foi feita com a presidência de um
juiz, não foi feita de modo a garantir igualdade na distribuição de serviço”,
realçou o antigo primeiro-ministro, sublinhando que aquilo que aconteceu no dia
09 de setembro de 2014 “foi uma trapaça jurídica com o objetivo de escolher, de
forma arbitrária, o juiz do caso”.
“Irregularidade procedimental? Não, senhores conselheiros, o que
aconteceu não foi uma irregularidade, mas uma manipulação gravíssima da escolha
do juiz por forma a tornar o todo o processo judicial num jogo de cartas
marcadas”, escreveu José Sócrates na carta aberta.
José Sócrates tinha sido acusado neste processo pelo Ministério
Público, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento
de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. No entanto, na decisão
instrutória, em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de
25 dos 31 crimes, pronunciando-o, para ir a julgamento, por seis crimes apenas.
Do jornal online Eco
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