Gostaria que o Orçamento Geral do
Estado para 2020 me desse fundamentadas expetativas de ver aumentados os
rendimentos (por aumento da pensão de reforma) e reduzidos os impostos (por
revisão dos escalões do IRS).
Eu, que antipatizo seriamente com
este tempo outonal e, ainda mais, com os rigores do inverno, igualmente
preferiria ter sempre dias ensolarados, com brisas ligeiras e águas do mar a
dezanove ou vinte graus para passa-los à beira-mar com o horizonte azulado e
sem nuvens como paisagem de fundo.
Tivesse poderes mágicos e
obviamente faria desaparecer da política internacional os trumps, os bolsonaros
ou os salvinis, que fazem dos nossos telejornais o desfile de uma tremenda
galeria de horrores.
Tais exemplos demonstram que a
realidade é uma e os nossos desejos dificilmente com eles se compadecem. Por
isso mesmo voltando ao primeiro compreendo perfeitamente que o documento ontem
aprovado em conselho de ministros não é o que mais me conviria, mas é o melhor
possível dentro dos constrangimentos a que António Costa e a sua equipa se
devem ater.
Um amigo e colega de profissão acusou-me ontem de
enviesar argumentos para quase sempre defender o governo, mas convenhamos ser
estranha essa conclusão em quem não só faz o mesmo para defender os que, à
esquerda, o contestam. Aquilo que ele designa como contorcionismo não é mais do
que a perspetiva distinta de cada um perante uma mesma realidade, que se
analisa consoante esses tais desejos. Que até acabam por ser muito semelhantes,
por não duvidar ter ele a mesma ambição de alcançarmos uma sociedade liberta
deste capitalismo, que nos explora e oprime, e se paute por mais justiça
social, menos desigualdades e recuperada para a importância dos valores da
fraternidade entre os seus cidadãos.
Podemos almejar esse objetivo a
breve prazo? Claro que não e quem o dizia era o José Mário Branco, que citava a
propósito o cientista alemão cujos trabalhos em prol da cura da sífilis
conheceram centenas de falhanços para, enfim, alcançar o pretendido sucesso.
Por isso mesmo creio no êxito final do modelo socialista, hoje imperativamente
associado à preocupação com a sustentabilidade do planeta, por muitos falhanços
que, desde a revolução bolchevique russa tenha passado e ainda acabe por
passar.
Surpreende-me que aquele meu
amigo não pense assim, já que a profissão o terá habituado a cingir-se à
leitura de manómetros, termómetros e outros indicadores quantitativos para
melhor gerir a operacionalidade e a manutenção das instalações que geriu. E
sempre soube quanto a leitura de pressões, temperaturas, consumos e outras
medidas implicaram decisões sobre a velocidade com que o navio poderia singrar
nas águas oceânicas. Quantas vezes a súbita alteração da temperatura da água do
mar bastava para logo obrigar a alterar o fluxo do vapor para as diversas
extrações, quando de instalação a turbinas se tratava.
Ao contrário do que Catarina
Martins, Jerónimo de Sousa, Rui Rio ou os seus oponentes pressupõem, um
Orçamento não é desenhado apenas em função das realidades internas do país.
Sujeita-se aos constrangimentos externos, sejam eles económicos, sejam os
decorrentes dos tratados a que o país se sujeita. Daí a importâncias das contas
certas que António Costa reivindica como um dos eixos fundamentais do
documento. Porque só com elas pode prosseguir o rumo tomado nestes últimos
anos, quando começou a reduzir as desigualdades entre os portugueses - conforme
o demonstra o coeficiente de Gini - e se
travou às quatro rodas a intenção das direitas em tudo privatizar.
Desejaríamos mais? Claro que sim!
Mas o setor da Saúde, que ainda dá motivos às oposições para porem em causa os
benefícios das políticas implementadas, sofre o efeito prolongado dos cortes
impostos por Passos Coelho. Esse meu amigo sabe de sobra que, em mecânica, uma
máquina não gripa quando lhe cortam o óleo que lubrifica as suas superfícies em
movimento, mas quando a temperatura sobe e elas tendem a agarrar. Acusar
António Costa do quase gripanço dos hospitais públicos é esquecer - até mesmo
desculpabilizar - quem quis cortar na lubrificação.
É por tudo isto que, não
esperando outro benefício do novo Orçamento que um Serviço Nacional de Saúde
recuperado ou uma sociedade portuguesa mais igual, esteja totalmente de acordo
com o que ele pressupõe. Porque já no século XVIII o filósofo francês Voltaire
reconhecia que o ótimo pode ser inimigo do bom e querendo-o impor, será este
último a ficar em causa, perdendo-se ambos como resultados das nossas
insensatas ações e decisões.
Publicada por jorge rocha
Do blogue Ventos Semeados

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