Quando as pulsões populistas
esquecem o cuidado mínimo a ter com os direitos básicos das pessoas, o
resultado é sempre a grossa asneira. A “delação premiada”, que as teorias das
justiças de pacotilha utilizam pelo mundo subsdesenvolvido para obviar à incompetência
investigativa, tentando acomodar da maneira mais baixa os clamores da
indignação justicialista, anda agora por aí nas bocas do nosso pequeno e, por
isso, mais miserável mundo.
Ora nós já por cá tivemos a
delação premiada! Que outra coisa era senão isso a corte de “bufos” que a Pide
alimentava, à custa de alguns tostões e outras benesses?
Imediatamente a seguir ao 25 de
abril de 1974, quando dava instrução na Escola Prática de Instrução Militar,
aproximaram-se de mim dois irmãos, ambos economistas, que frequentavam a
especialidade de “Contabilidade e Pagadoria”. Por uma razão que eu não
conseguia compreender, esses meus instruendos mostravam-se muito inquietos com
a Revolução que tinha acabado de suceder, querendo saber do seu possível
destino pessoal, então que a guerra colonial parecia sair do horizonte. Ia
acabar já o seu tempo de “tropa”? Regressariam de imediato à vida civil?
Encaravam mesmo a hipótese de ir para o estrangeiro.
Eu achava tudo aquilo um pouco
estranho! Logo então, que Portugal começava finalmente a “ter graça”?! Mas,
embrenhado que andava, por esses dias, nas lides revolucionárias, dei-lhes
pouca atenção. Mas, lá no fundo, estranhava aquela aproximação conjugada e um
pouco insistente de mais.
Mas acabei por esquecê-los,
semanas depois. Só voltei a lembrar-me deles, meses mais tarde, quando veio a
ser revelado que esses “irmãos metralha” eram, afinal, dois miseráveis “bufos”
da Pide, de quem haviam sido encontradas cartas sob pseudónimo, a denunciar
colegas que, por sua culpa, tinham passado “as passas do Algarve”. Isso acabou
por vir a público, os canalhas foram desmascarados mas, com toda a certeza, a
“bondade” do 25 de abril acabou por esquecer esses pecadilhos e, às tantas,
ainda aí hoje andam de costas (a fingir de) direitas.
Se os legisladores portugueses
tiverem o topete de trazer para cá o instituto jurídico da “delação premiada”,
um sistema de benefício para gentalha a querer absolver-se das suas próprias
patifarias, facilmente inventando sobre as dos outros, com o grau de
“credibilidade” que o seu estatuto lhes concede, esses legisladores
qualificar-se-ão bem a si mesmos. Convém que isto fique dito, alto e bom som,
desde já. A justiça, para ser justa, tem de começar por ser decente.
Publicado por Francisco Seixas da
Costa
No DN
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