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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Inês Ferreira Leite ou Luís Rosa, qual deles defende a liberdade?


Há uma altura em que três homens estão a falar ao mesmo tempo, por cima uns dos outros, na tentativa de calar a mulher que discursa clara e pujantemente. Que estaria ela a dizer de tão grave para suscitar tão impulsiva, descontrolada e agressiva resposta? Estava a referir evidências que qualquer pessoa decente tem a obrigação de invocar a respeito do que a Justiça tem feito a Sócrates, evidências relativas aos abusos judiciais, exploração mediática e perseguição política; mas só se a intenção for a de avaliar a “Operação Marquês” com honestidade intelectual, claro. Ora, isso os tais homens não suportam dado serem parte da claque que fará tudo o que puder para ver Sócrates condenado – sendo o gozo ainda maior se for condenado por corrupção sem provas pois, nesse cenário, a essência de um julgamento político ficaria exuberantemente inscrita na História como exemplo do poder absoluto da oligarquia portuguesa.

Ao longo das intervenções de Inês Ferreira Leite podemos ver como ela é sistematicamente interrompida com comentários irrelevantes, cuja finalidade é essa mesma de interromper a argumentação e saltar para uma pseudo-conclusão (e sectária, preconceituosa, enviesada) que desvaloriza e esconde o fio condutor do raciocínio da Inês. Todavia, ela responde a cada tentativa com implacável atenção, rapidez e fluidez, recuperando os conteúdos que queria transmitir. Admirável capacidade dialógica.

Não só os homens presentes (4 jornalistas e 1 procurador) foram activos na tentativa de boicote das posições da Inês como não deram o mínimo destaque ao que de mais importante era dito pela jurista. E, de entre as várias declarações que por si só justificariam um debate autónomo (especialmente, a pedagogia sobre o estatuto e papel do Ministério Público), a mais importante foi relativa à falta de fundamento para a detenção de Sócrates. Sobre isto, os dois jornalistas a soldo do militante nº 1 do PSD que dirigiam o programa nem tugiram nem mugiram, minha nossa senhora do Caravaggio.

Como é que se defende a liberdade? Através da perversão do poder policial e dos abusos da Justiça ou pela livre criação de leis que garantam a liberdade para todos – o que implica punir quem ameace a liberdade, a vida e a propriedade? A resposta devia ser óbvia, séculos depois das revoluções liberais que instituíram o Estado de direito democrático como a mais civilizada forma de convivermos social e politicamente uns com os outros, mas em Portugal a “Operação Marquês” permite identificar quem pretende usar as forças policiais e a Justiça para atingir alvos políticos e objectivos comerciais. Luís Rosa, e quem lhe paga, pertence a esse conjunto de poderosos influenciadores do espaço público que está em campanha para a condenação de Sócrates mesmo que não existam provas de ter cometido qualquer acto de corrupção. Luís Rosa concebe-se como um soldado da parte mais forte, aquela que até dispõe de aliados no Ministério Público e nos tribunais fora os restantes impérios de comunicação que espalham diariamente as mesmas mensagens – daí sentirem que podem impunemente violar a Lei e os princípios constitucionais sem correrem o menor risco de sofrerem com isso.

Na “Operação Marquês” está em causa descobrir se um primeiro-ministro em Portugal cometeu crimes de corrupção. Esta suspeita é a mais grave que alguma vez se investigou na Justiça portuguesa, dadas as implicações para o sistema partidário, a governação e o regime. Tudo deve ser exaustivamente apurado, esclarecido e julgado pelos magistrados responsáveis ao longo do processo. Porém, ainda mais importante do que a eventual corrupção de um primeiro-ministro é a eventual corrupção da própria Justiça. A “Operação Marquês” é também uma avaliação dos protagonistas e procedimentos de quem fez a acusação e de quem a julga em tribunal. Os que defendem a liberdade jamais aceitarão que lhes ofereçam a cabeça de um político enquanto lhes roubam a inteligência e a coragem.



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