Há uma altura em que três homens
estão a falar ao mesmo tempo, por cima uns dos outros, na tentativa de calar a
mulher que discursa clara e pujantemente. Que estaria ela a dizer de tão grave
para suscitar tão impulsiva, descontrolada e agressiva resposta? Estava a
referir evidências que qualquer pessoa decente tem a obrigação de invocar a
respeito do que a Justiça tem feito a Sócrates, evidências relativas aos abusos
judiciais, exploração mediática e perseguição política; mas só se a intenção
for a de avaliar a “Operação Marquês” com honestidade intelectual, claro. Ora,
isso os tais homens não suportam dado serem parte da claque que fará tudo o que
puder para ver Sócrates condenado – sendo o gozo ainda maior se for condenado
por corrupção sem provas pois, nesse cenário, a essência de um julgamento
político ficaria exuberantemente inscrita na História como exemplo do poder
absoluto da oligarquia portuguesa.
Ao longo das intervenções de Inês
Ferreira Leite podemos ver como ela é sistematicamente interrompida com
comentários irrelevantes, cuja finalidade é essa mesma de interromper a
argumentação e saltar para uma pseudo-conclusão (e sectária, preconceituosa,
enviesada) que desvaloriza e esconde o fio condutor do raciocínio da Inês.
Todavia, ela responde a cada tentativa com implacável atenção, rapidez e
fluidez, recuperando os conteúdos que queria transmitir. Admirável capacidade
dialógica.
Não só os homens presentes (4
jornalistas e 1 procurador) foram activos na tentativa de boicote das posições
da Inês como não deram o mínimo destaque ao que de mais importante era dito
pela jurista. E, de entre as várias declarações que por si só justificariam um
debate autónomo (especialmente, a pedagogia sobre o estatuto e papel do
Ministério Público), a mais importante foi relativa à falta de fundamento para
a detenção de Sócrates. Sobre isto, os dois jornalistas a soldo do militante nº
1 do PSD que dirigiam o programa nem tugiram nem mugiram, minha nossa senhora
do Caravaggio.
Como é que se defende a
liberdade? Através da perversão do poder policial e dos abusos da Justiça ou
pela livre criação de leis que garantam a liberdade para todos – o que implica
punir quem ameace a liberdade, a vida e a propriedade? A resposta devia ser
óbvia, séculos depois das revoluções liberais que instituíram o Estado de
direito democrático como a mais civilizada forma de convivermos social e
politicamente uns com os outros, mas em Portugal a “Operação Marquês” permite
identificar quem pretende usar as forças policiais e a Justiça para atingir alvos
políticos e objectivos comerciais. Luís Rosa, e quem lhe paga, pertence a esse
conjunto de poderosos influenciadores do espaço público que está em campanha
para a condenação de Sócrates mesmo que não existam provas de ter cometido
qualquer acto de corrupção. Luís Rosa concebe-se como um soldado da parte mais
forte, aquela que até dispõe de aliados no Ministério Público e nos tribunais
fora os restantes impérios de comunicação que espalham diariamente as mesmas
mensagens – daí sentirem que podem impunemente violar a Lei e os princípios
constitucionais sem correrem o menor risco de sofrerem com isso.
Na “Operação Marquês” está em
causa descobrir se um primeiro-ministro em Portugal cometeu crimes de
corrupção. Esta suspeita é a mais grave que alguma vez se investigou na Justiça
portuguesa, dadas as implicações para o sistema partidário, a governação e o
regime. Tudo deve ser exaustivamente apurado, esclarecido e julgado pelos
magistrados responsáveis ao longo do processo. Porém, ainda mais importante do
que a eventual corrupção de um primeiro-ministro é a eventual corrupção da
própria Justiça. A “Operação Marquês” é também uma avaliação dos protagonistas
e procedimentos de quem fez a acusação e de quem a julga em tribunal. Os que
defendem a liberdade jamais aceitarão que lhes ofereçam a cabeça de um político
enquanto lhes roubam a inteligência e a coragem.
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