Pedro Mexia – Se no fim deste
processo, num processo desta natureza, contra um ex-primeiro-ministro, o crime
realmente grave não é provado... isto é um flop grande. E eu não consegui
ainda, em nenhum momento...
João Miguel Tavares – Mas as leis
portuguesas estão feitas para esse flop existir, não é?...
Pedro Mexia – 'Tá bem, mas se há
um flop probatório...
João Miguel Tavares – Mas a
questão é que eu não acho. Acho que a coisa mais importante neste processo,
apesar de tudo, é avaliar quem é que é aquele homem.
O Presidente da comissão das
comemorações do 10 de Junho de 2019 assumiu há semanas, num programa de
televisão, que (i) as instituições e entidades públicas que o escolheram, e que
ele aceitou representar, para ser o rosto e a voz de um dos mais simbólicos
feriados da Pátria são cúmplices de criminosos e que (ii) a “Operação Marquês”
é um processo judicial cuja finalidade não é descobrir se eventuais crimes
foram cometidos, e de que modo, e com que gravidade, antes a devassa,
humilhação e condenação moral e política de um dado cidadão e do partido a que
pertenceu. A seu favor, o facto de não ter sido a primeira vez que bolçou tal,
a que se junta a evidência de ser exactamente assim que a indústria da calúnia
e a direita decadente têm explorado o processo desde o período em que ele ainda
não existia oficialmente mas já circulava no meio político-jornalístico e dava
origem a reportagens em Paris e a tentativas de golpadas com a chancela da PGR
para ajudar Seguro no páreo com Costa. Também a seu favor o facto de aceitar
servir e promover aqueles que, garante e repete com dolorosa vontade de se
partir à gargalhada, usam o Estado para ajudar os corruptos a escaparem
impunes; logo, que são igualmente corruptos e que, na plena posse dos seus
poderes corruptores e corrompidos, o emolduravam em Portalegre – o que faz do
João Miguel Tavares, afinal, farinha do mesmo saco, para ir buscar a metáfora
favorita do veterotestamentário Jerónimo.
O que releva, em tudo o que diga
respeito ao caluniador profissional entronizado por Marcelo Rebelo de Sousa à
custa da dignidade da República, é sempre quem lhe paga, ou quem o usa, ou quem
se cala. No caso, o primeiro silente foi Pedro Mexia, fulano que ostenta uma
licenciatura em Direito pela Universidade Católica no seu currículo. Que diria
este licenciado em Estado de direito e seus códigos legais se tivesse de
justificar a sua registada concordância com a acusação alucinada e fétida de
termos leis feitas de propósito – portanto, com a conivência do Parlamento e
dos eleitores, dos Presidentes da República e dos tribunais, passando pelos
Governos e pelo Ministério Público, a que se junta a imprensa e a sociedade
civil – para permitir impunemente a corrupção das mais altas figuras do Estado?
Que diria este infeliz se o destino lhe pregasse a partida de ter de opinar na
televisão, ou que fosse da varanda de sua casa, sobre a ideia de poderem
existir processos judiciais cujo móbil “mais importante” não é o respeito pela
Constituição e a aplicação da Lei, antes a “avaliação” de alvos políticos? E
que diria o Sr. Araújo, esse exemplo deslumbrante da inteligência mais apurada
ao serviço da liberdade mais indómita, calhando sujeitarem-no à mesma
curiosidade? E que diria o alegrete, o pachola, o galhardo representante do
mais nobre jornalismo, de seu nome Carlos Vaz Marques, se colocado entre as
mesmas perguntas e a parede? E que diria Sérgio Figueiredo, director de
informação da TVI, se interrogado sobre a utilidade social e/ou cultural de
espalhar no espaço público esse programa político de ódio a Portugal e a certos
portugueses que o caluniador profissional acha ser a chave do seu sucesso?
O silêncio, de facto, faz parte
do modelo de negócio de quem utiliza meios de comunicação social de grande
alcance para apoiar os negacionistas climáticos, para arrotar ignorância
pesporrenta sobre o multiculturalismo, para alimentar o revisionismo sobre o
Estado Novo, para ligar Vítor Constâncio, a propósito de algo que se provou e
comprovou não passar de chicana e calúnia, a Adolf Eichmann, a Hitler, ao Holocausto.
Podemos adivinhar o seu gozo, a soberba, ao constatar que pode insultar e
ofender tudo e todos. O seu método consiste em olhar para as causas que
defendem as pessoas que lhe pagam e para as causas das pessoas decentes, e
depois arranjar maneira de se colar às primeiras e emporcalhar as segundas (se
lhe cheirar a Sócrates e a esquerda) no limite do escândalo que obrigasse quem
lhe paga a assumir responsabilidades editoriais. Poderia ser apenas um modo de
vida como outro qualquer, seguramente menos nefando do que andar a traficar
pessoas ou a assaltar idosos, mas acontece que é muito mais do que isso. A
economia do sucesso deste caluniador está umbilicalmente ligada ao sucesso do
que tem sido feito a Sócrates e ao PS pela oligarquia (com a, só aparentemente,
paradoxal conivência do próprio Partido Socialista).
Começa hoje a ser interrogado o
acusado que pode chutar o “Processo Marquês” para o arquivamento. Ignoro se o
irá fazer, se o irá conseguir e, acima e antes de tudo, ignoro se cometeu algum
crime. O que não dá para ignorar, sob pena de perder o respeito por mim mesmo,
é a dimensão objectivamente corrupta que dá origem ao que veio a ser a operação
de meter Sócrates numa prisão a um ano de umas legislativas onde Passos Coelho
concorria, onde Cavaco Silva protegia a direita, onde a procuradora-geral da
República mostrava alinhamento político com o Governo e sua bandeira populista
– e politicamente dirigida contra o PS – do “fim da impunidade”. Essa operação
implicou várias ilegalidades e várias irregularidades, as quais, parece certo,
ficarão abafadas pelo regime. Que já o começaram a ser ao se ter afastado as
legítimas suspeitas existentes sobre o envolvimento de Carlos Alexandre e o
afastamento de Ivo Rosa a partir do momento em que passaram a existir dois
juízes no Ticão. Que não geram uma linha de espanto, sequer desconforto, ao se
saber como a Caixa Geral de Depósitos foi usada de forma inaudita para se
simular ter aí começado uma investigação que já durava há anos e anos.
Chegamos ao fim de 2019 com
prováveis 15 anos de espionagem contínua sobre Sócrates, e sobre terceiros do
seu círculo íntimo, onde até se obtiveram escutas ilegais de um
primeiro-ministro em funções, e ninguém foi capaz de provar directamente uma
única ilegalidade. Só existem comportamentos que chocam a moral comum à mistura
com fantasias toscas, vergonhosas, e a esperança desesperada de que uma
testemunha diga em tribunal o que precisa ser dito para o regime deixar cair a
guilhotina. Conclusão: os milhões atribuídos a Sócrates são a milionésima parte
de uma migalha quando comparados com a certeza de termos uma Justiça capaz de
se enterrar na luta política mais sórdida e inconstitucional. Daí se
compreender tão bem a campanha para que a “Operação Marquês” seja transformada
numa concretização do estado de excepção.
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