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domingo, 4 de agosto de 2019

À espera (só de visita) de Jair Bolsonaro:


Bloco de Esquerda não quer a visita de Jair Bolsonaro a Portugal. Não percebo porquê. Ele não é nosso Presidente, nem primeiro-ministro, nem presidente de junta de freguesia - aqui não manda nada. Aqui, ele não pode incitar antigos volframistas nazis à desflorestação dos bosques transmontanos, nem promover a ida para o Panteão do torcionário pide Casimiro Monteiro. Então, não o deixar entrar seria desperdiçarmos a oportunidade de analisar um "ao ponto a que a gente chegou!", mas distante, sem o risco de lhe sofrer as consequências. Mais, tipos assim são bons de nos cruzarmos com eles quando, para nós, ainda estão na fase "ao ponto a que a gente pode vir a chegar!". Bolsonaro, se impotente connosco, pode ser um bom caso de estudo.

Recapitulando, Bolsonaro, mesmo só simples administrador de condomínio, seria horrível. Lá no prédio, os seus olhares desdenhosos sobre o gay do 3.º direito ou a proposta para abrir uma carreira de tiro na cave seriam insuportáveis. Mas, ó bloquistas, Jair Bolsonaro não é desses brasileiros que fogem do Brasil porque o temem ou ele os envergonha. Não, ele não vem para cá ficar. A vir, seria para uma cimeira luso-brasileira, uns dias, uns discursos e ala! E há mais, nem a cimeira está acordada nem a vinda do presidente do Brasil está programada. Como o ministro Santos Silva já disse: "Não consigo cancelar viagens que não estão programadas."

A precipitação do BE em protestar por um não acontecido revela muito da prática política portuguesa do esbracejar em vez do bater. É o popular "agarrem-me senão mato-o!" levado para os Passos Perdidos. Ora, Jair Bolsonaro não pode ser combatido com faz de conta. Correr a ser os primeiros a exigir "ele não entra!", quando isso ainda não é nem se decidiu, pode parecer-se com uma cuidadosa arma política, a prevenção. Mas nem sempre esta é útil. Prevenidos de Trump e de Bolsonaro, para citar toscos, andamos há muito, e a lista dos surpreendentemente inadequados para governar não cessa de crescer. E da lista ainda não foram citados outros desqualificados, como o norte-coreano Kim Jong-un e o venezuelano Maduro.


Listas feitas (mesmo só essas, a curta e a menos curta, sem considerar a quantidade de infrequentáveis internacionais que há), avançamos um passo para compreender o erro do BE. Exigir o cancelamento da visita de um líder de um país com o qual se tem relações diplomáticas parece de rijo, mas é mole de raciocínio. Essa astúcia que os Estados inventaram - a diplomacia - parte de um princípio prudente: deixar sempre uma porta aberta. Talleyrand, que sabia da poda, disse: "Um diplomata que diz sim quer dizer talvez; um diplomata que diz talvez quer dizer não; e um diplomata que diz não não é um diplomata."

E nós que temos a ver com a tal diplomacia? Explico: também para nós, gente comum, se precisamos de alguma coisa de alguém, devemos deixar a essa pessoa um caminho que a conduza até nós... É a justificação para a tal porta aberta. A um desqualificado líder de um país remoto podemos talvez remetê-lo para inflexíveis votos na ONU. Mas quando a tal porta abre para o Brasil... O Brasil democrata não desdenhou o convite para vir ao Portugal de Salazar - e o presidente Juscelino Kubitschek acenou, de pé, num carro aberto, aos lisboetas. O Portugal do 25 de Abril nem um só momento pensou em cortar relações com o Brasil dos generais ditadores, nos dez anos em que ambos conviveram até a democracia brasileira voltar, em 1985.

Um boçal é hoje presidente eleito pelos brasileiros. Esta última condição é quanto basta para entrar pela nossa porta abertíssima ao que tanto, tanto nos interessa - o Brasil. E quanto ao tal Bolsonaro, sempre nos pode mostrar o préstimo pessoal já lá atrás mencionado. Venha para aprendermos: "Ao ponto a que a gente pode vir a chegar!"

Ferreira Fernandes no DN

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