"Eutanásia" foi o substantivo que Bagão Félix escolheu - na
entrevista do "Jornal das 9" com Ana Lourenço, esta quarta-feira, na
SIC Notícias - para adjetivar a lei de fevereiro de 2014 que proibiu os
reformados e pensionistas de exercer funções ou prestar serviços ao Estado e
instituições públicas, com ou sem remuneração.
A lei anterior, do tempo do Governo de José Sócrates, excluía, apenas,
as funções ou serviços "remunerados". A partir de fevereiro, porém,
na perspetiva da nova lei, reformados e pensionistas devem aguardar
sossegadamente que a morte os leve, para alívio das contas do Estado.
Na verdade, "este país não é para velhos", como diz o título
do filme que valeu quatro Oscars aos irmãos Cohen, em 2008. Este país que reduz
os velhos à condição de párias, desprezando a sua experiência e
disponibilidade, é o mesmo que assiste indiferente à escalada do desemprego
juvenil e recomenda aos mais novos que emigrem para colocar ao serviço dos
"países amigos" as qualificações que a democracia arduamente lhes
proporcionou ao longo das últimas décadas. O mesmo país - a mesma maioria, o
mesmo governo, o mesmo presidente! - que negligencia as crianças que desfalecem
de fome no sistema nacional de ensino em prejuízo da sustentabilidade do
sistema nacional de saúde. São os mesmos, como reparava Bagão Félix, que
aceitam com indulgência que um "cavaleiro da alta finança" se
"esqueça" de comunicar ao Fisco os milhões que recebeu, mas cortam
sumariamente os minguados subsídios de reinserção ou desemprego ao primeiro indício
da mais inócua irregularidade. E perante o alastrar da miséria que eles mesmos
provocaram, ainda são capazes de se gabar do aumento das "despesas
sociais" e até se atrevem a pagar estudos para combater a quebra da
natalidade, em flagrante demonstração do mais cínico
"malthusianismo".
O "reviralho" tem uma longa tradição em Portugal, tão antiga
quanto a Revolução Liberal de 1820 que apenas a custo de uma prolongada guerra
civil logrou impor o regime constitucional. Na "Patuleia" e na
revolta da "Maria da Fonte", agitadores com diversas filiações
conluiaram-se para impedir a introdução do "registo civil", incitando
à destruição das chamadas "papeletas da roubalheira". Apesar das suas
raízes nacionais, o novo "reviralho" - que conta entre os atuais
governantes, com os seus mais genuínos intérpretes - é um fenómeno global. O
"reviralho", nos Estados Unidos da América, promove o boicote do
sistema de saúde ou da reforma das leis de imigração e, por mais do que uma
vez, paralisou a administração e quase levou o país à bancarrota impedindo no
Congresso a atualização dos limites do défice... à semelhança da manobra
bem-sucedida que "chumbou" o deplorado PEC IV, no Parlamento
português que, precipitando a demissão do Governo em 2011, abriu caminho à conquista
do poder.
Por isso, não é exato classificar os novos intérpretes do "reviralho" como conservadores nem como liberais, embora partilhem com os primeiros a aversão à modernidade, e com os segundos a crença nas virtudes da "desregulamentação" económica e financeira. Mas terminam aqui as analogias. O "reviralho" quer mesmo mudanças, prometendo uma nova ordem emergente do caos que pretendem espalhar. E os seus valores, ao contrário do que apregoam, nada têm a ver com as liberdades que traçaram o programa das revoluções liberais: foram os direitos de livre expressão, de consciência e de religião, a proteção da vida, da propriedade e da liberdade contratual que acabaram com o poder arbitrário dos monarcas absolutos e desfizeram os vínculos de servidão herdados do regime feudal. O "reviralho" não tem um programa. Promove populismos vários e alimenta-se de receios difusos e expectativas defraudadas. É um produto efémero das democracias submissas aos poderes informais do capitalismo globalizado. Mas se não for energicamente combatido, rapidamente evoluirá para fórmulas bem mais perversas!
Por isso, não é exato classificar os novos intérpretes do "reviralho" como conservadores nem como liberais, embora partilhem com os primeiros a aversão à modernidade, e com os segundos a crença nas virtudes da "desregulamentação" económica e financeira. Mas terminam aqui as analogias. O "reviralho" quer mesmo mudanças, prometendo uma nova ordem emergente do caos que pretendem espalhar. E os seus valores, ao contrário do que apregoam, nada têm a ver com as liberdades que traçaram o programa das revoluções liberais: foram os direitos de livre expressão, de consciência e de religião, a proteção da vida, da propriedade e da liberdade contratual que acabaram com o poder arbitrário dos monarcas absolutos e desfizeram os vínculos de servidão herdados do regime feudal. O "reviralho" não tem um programa. Promove populismos vários e alimenta-se de receios difusos e expectativas defraudadas. É um produto efémero das democracias submissas aos poderes informais do capitalismo globalizado. Mas se não for energicamente combatido, rapidamente evoluirá para fórmulas bem mais perversas!
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