Na mesma semana em que Pedro Passos Coelho
"apadrinhou" o estudo sobre natalidade encomendado pelo PSD a um professor da Universidade Católica, eis que
outro académico, da mesma escola, apostou as fichas todas no papel de
contracetivo do regime.
Não é a primeira vez, sublinhe-se a coerência de João César das Neves,
que o economista se manifesta contra a subida do salário mínimo nacional. Diz o
ilustre professor, em entrevista à Rádio Renascença, que fazê-lo seria
"criminoso", porque teria "consequências dramáticas sobre os
pobres". Como se quem aufere 485 euros mensais levasse para casa uma
fortuna.
Há menos de um ano, em novembro, usava argumento semelhante. Nessa
altura, além de afirmar que a maioria dos pensionistas está "a fingir que
é pobre", sentenciava que subir a remuneração mínima seria a pior forma de
"estragar a vida aos pobres".
A linha de raciocínio de César das Neves é simples: aumentar o salário
mínimo, além de não custar "um tusto" ao Governo, implica
consequências nas empresas mais vulneráveis e de produtividade baixa, que
"vão abaixo", atirando para o desemprego os trabalhadores "mais
frágeis". Esta tese, em que o professor aponta o dedo a políticos e
sindicalistas por cuidarem apenas dos impactos eleitorais de uma medida desta
natureza, é, no entanto, contrariada pelas confederações patronais que, ao lado
dos sindicatos, já se manifestaram por diversas vezes favoráveis ao ajustamento
em alta do salário mínimo.
Acredito, sinceramente, na bondade do professor César das Neves, mas
permito-me discordar com veemência da sua argumentação.
Em primeiro lugar, está estudado e demonstrado que aumentar o salário
mínimo - além de não ser um gesto de caridadezinha - tem impacto positivo na
economia. Ou seja, a atualização salarial permite contrariar a degradação do
poder de compra sofrida nos últimos anos - apenas contrariada pontualmente por
algumas decisões do Tribunal Constitucional -, aumentado assim o consumo
interno e, por consequência, a atividade económica.
Em segundo lugar, a pressão salarial que resultará desta medida ameaça
apenas as empresas que apostam a sua produção em mão-de-obra barata e
desqualificada, o que é naturalmente contrário a tudo aquilo que deveria ser a
mentalidade empresarial em Portugal. É inaceitável alegar a fragilidade das empresas
e ser cúmplice de um modelo de desenvolvimento económico assente em ordenados
miseráveis, quando aquilo que deveria estar em causa seria precisamente um
estímulo à produtividade através de melhores salários.
E, por fim, a relação com a natalidade. Concordaremos todos que em
Portugal temos um problema demográfico sério, com consequências óbvias ao nível
da sustentabilidade da Segurança Social, que, entre outros fatores, resulta dos
fluxos migratórios, da quebra acentuada dos nascimentos e do consequente
envelhecimento da população.
Como dizia o professor Joaquim Azevedo, coordenador do supracitado
relatório, "os casais portugueses querem ter filhos", mas para isso é
preciso que as famílias - sejam elas de que tipo forem - sejam menos
penalizadas em sede fiscal e, sobretudo, que "o País as trate com
justiça". Ora, tratar com justiça os cidadãos é ter uma política salarial
digna e justa que não é compatível com o miserabilismo filosófico de quem
aceita a indignidade de que é possível viver com 485 euros mensais.
Com todo o respeito, não faço ideia se o professor César das Neves
alguma vez "brincou aos pobrezinhos" na Comporta. Mas talvez lhe seja
útil o exercício. Imaginemos dois filhos em idade escolar. É altura de comprar
livros, cadernos e restante material, que, como sabemos, estão pela hora da
morte. Só de uma vez lá se vai um salário mínimo. E depois há a renda da casa,
a luz, a água, o gás, a comida e um ou outro trapo para vestir. Feitas as
contas, dois ordenados mínimos não chegam.
Como é evidente, para que haja mais bebés a nascer é necessário, entre outras medidas, e antes de mais nada, aumentar os rendimentos das pessoas e dar-lhes segurança no emprego. E, em jeito de conclusão, parece-me óbvio que criminoso é falar em nome dos pobres usando um discurso que os condena à pobreza eterna.
Como é evidente, para que haja mais bebés a nascer é necessário, entre outras medidas, e antes de mais nada, aumentar os rendimentos das pessoas e dar-lhes segurança no emprego. E, em jeito de conclusão, parece-me óbvio que criminoso é falar em nome dos pobres usando um discurso que os condena à pobreza eterna.
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