Embora solarengo, está muito frio. Assim os desempregados e reformados
vão aproveitando estes dias que restam para se deslocarem até ao Parque de
Lazer para jogar uma suecada, pescar algum peixe que, como mandam as normas de
pesca do Clube de Pesca e Caça de Freamunde tem de ser devolvido novamente ao
rio Ferreira, ou pôr a conversa em dia. Assim aconteceu hoje comigo. Gosto de
ir até ali. Quase sempre aproveito por ir pelo lugar de Além. Digo lugar porque
ainda não me familiarizei com os nomes de rua que deram aos vários lugares de
Freamunde.
Ao passar pelo lavadouro de Além fez-me recordar tempos remotos. Ali vi
na minha imaginação as lavadeiras - nesse momento em que passei encontrava-se
uma a lavar roupa - a contarem episódios do dia-a-dia. Disse para os meus
botões: como tudo está a ficar abandonado.
Noutros tempos não faltavam ali lavadeiras. Falavam de tudo. Da sua
vida e da alheia. Quantas virgens ali perderam a sua virgindade na boca das
lavadeiras. Quantos namoros e casamentos ali desfeitos. Quantos namoros e
casamentos ali construídos. Quantas amizades construídas e destruídas. E o
lavadouro de Além mudo e quedo.
A sua água se já estava suja mais suja ficava com o que ouvia. Sim! Se
o lavadouro estava mudo e quedo o mesmo não se passava com a água. Esta
agitava-se com o que ouvia. Não gostava que ali fosse um banco de má-língua
como o dos homens. Mesmo assim as alcoviteiras tinham sempre notícias
fresquinhas. Boas e más. Ferisse ou não ferisse. É este o papel delas. Falar
por falar. Com isso julgam que lavam a sua língua.
Quantas verdades também se disseram mas quem as ouvia julgava que eram
mentiras. É assim o povo. Diz o que não deve e cala o que deve ser dito. Por
isso a minha paragem por um bocado de tempo a olhar para o que resta do lavadouro
de Além. Nota-se na sua melancolia muita tristeza. O seu rectângulo em pedra
cheio de água que continua a ser revezada por outra não o faz como outrora.
E neste vai e vem continuava a pensar na modificação que levou o
lavadouro de Além. As máquinas de lavar roupa tomaram o seu lugar. As pessoas
que ali iam remeteram-se ao seu lar. As raparigas deixaram de perder ali a sua
virgindade na boca de certas lavadeiras. Também hoje ninguém liga a esse
preconceito.
Uma ou outra que ali vai lavar fá-lo na plenitude do seu silêncio ou
como forma de vida, cantarolando como ouvi hoje em pequeno tom, querendo
demonstrar a quem passava que não estava sozinha.
Vim ao lavadouro de Além / Lavar roupa suja / Aqui não vejo ninguém /
Com má-língua como a tua.
Quem ainda vai ao lavadouro de Além vai também lavar as suas mágoas.

Sem comentários:
Enviar um comentário