O grande escritor Stendhal, numa obra autobiográfica, lamentava nunca
se ter batido em duelo. Ao longo do século XIX, misturavam-se as paixões do
romantismo com os ideais de honra da crepuscular era aristocrática. O duelo
consistia numa idealização da passagem para a idade adulta. Tratava-se de um
combate por refletida deliberação. O adversário teria de acrescentar valor ao
desafiador. Já depois de meados de Oitocentos ainda há notícia de duelos
trágicos, como o que tirou a vida ao génio do socialismo alemão, o judeu
Ferdinand Lassalle (que faz de Marx um taciturno rato de biblioteca), ou o
nosso duelo literário entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão (1866). Senti
saudades destes tempos perdidos para sempre, no tropel de notícias e escândalos
da última semana. A lista seria infindável, mas aqui ficam alguns apontamentos:
o vice-PM transformou a apresentação do Orçamento do Estado numa palestra
vacilando entre a parapsicologia a as exortações de um guru da autoajuda; o
Presidente entrou nos domínios da psicanálise, mas correndo o risco de a Ordem
dos Economistas o obrigar a fazer um exame, tantos são os disparates técnicos
cometidos; o MNE, sobre cujo perfil os serviços de espionagem norte-americana
já haviam alertado, continua a conduzir-se de acordo com o alçapão de segredos
e mentiras da sua biografia. A democracia, apesar de ser o menos mau de todos
os regimes conhecidos, obriga-nos a viver numa proximidade promíscua com gente
a quem não permitiríamos sequer a entrega de uma piza em casa. O problema é que
nos roubam a tranquilidade de espírito, e entram-nos pelo bolso sem pedir
licença. Nunca nos passaria pela cabeça desafiá-los para um duelo. Mas que
temos de resistir para os enxotar para uma distância habitável, disso não
restam dúvidas.
VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Hoje no DN
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