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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Manda quem pode, obedece quem precisa:

Os tempos eram difíceis. Um emprego não se conseguia com facilidade. Assim acontecia ao João da “Quelha”. Depois do último, foi despedido por não concordar com o corte no vencimento mensal, ganhava seiscentos euros, o patrão como birra por ele não se dispor a dar umas horas extraordinárias, reduziu-lhe o ordenado. Tanto valeu dizer que tinha de ir a assistir a uma missa de sétimo dia por um amigo seu, que pôs termo à vida, como nada. O patrão não aceitou a explicação e cortou-lhe o vencimento. Dos seiscentos euros que auferia, passou para o ordenado mínimo nacional: quatrocentos e oitenta e cinco. O corte de vencimento era grande. Mais a mais sabia que o motivo não foi esse.
O não comungar com a ideologia política do Quim “Faz tudo”, seu patrão, deu no que deu. Assim disse que não aceitava. Sabia de antemão que o seu patrão tinha a faca e o queijo na mão. O ganhar seiscentos euros mensais e assinar como recebia quatrocentos e oitenta e cinco foi o que estragou tudo, disseram-lhe quando se foi queixar ao sindicato. Agora compreendia as críticas que João Ambrósio, seu colega desde sempre, lhe dirigia por aceitar receber um ordenado e assinar como recebia outro. Dava-lhe o exemplo de que assim estava a prejudicar a Segurança Social e ao prejudicar esta, prejudicava muitos seus associados e a si um dia na reforma. Dizia que um dia mais tarde, quando estivesse próximo da reforma, acertava isso.
O que é certo resolveu despedir-se sem cumprir com as formalidades para com o seu patrão. Este, como acto de vingança, não lhe passou a justificação para beneficiar do subsídio de desemprego.
Que havia de fazer à vida! À mulher no mês anterior acabou o subsídio de desemprego. À filha que tinha passado de ano tinha-lhe de comprar uma catrefada de livros escolares que o novo ano lectivo começava em meados de Setembro. O que fazer?
O João Ambrósio, seu amigo inseparável, disse-lhe que ia mover a sua influência e pedir a um amigo que lhe devia uns favores para pedir ao Presidente da Câmara a colocação num qualquer serviço da Câmara. E, assim aconteceu. Só que João da “Quelha” que até essa data se dizia independente e senhor do seu” nariz” viu que com esta situação tinha que dizer adeus à sua independência. Mas o que havia de fazer!
Não queria que um outro seu amigo viesse a ser despedido por ter de ir à missa de sétimo dia. Não queria que em casa começasse a mingar ainda mais do que já mingava no que diz respeito aos bens alimentícios. Queria que a sua filha continuasse com os estudos porque agora compreendia a falta que lhe faz o décimo segundo ano. Sabia que ia ser convidado para fazer parte da lista para a Junta de Freguesia nas eleições que iam decorrer no dia vinte e nove de Setembro.
Nunca teve simpatias por aquele partido, embora se desse bem com quem concorria para Presidente da Câmara e da Junta de Freguesia da sua terra. Tanto condenou outras pessoas por serem um vira casacas. E… agora estava num dilema igual.
Mas tinha de resolver a situação, dizia-lhe João Ambrósio. O tempo urze e não falta quem queira a ocupação que te está reservada. Pensou para si. Não tenho alternativa. Sei que vou ser censurado pelos meus amigos. A forma de me vingar é aceitar mas no dia das eleições não votar na sua lista. Desabafou assim com o Quim “Tramela” a quem confiava muitas confidências. Podes e deves fazer isso mas ninguém acredita e te dá crédito, disse-lhe o Quim “Tramela”. Mas é onde me posso vingar, disse João da “Quelha”. Sabes que infelizmente estamos num tempo em que “manda quem pode e obedece quem precisa”. Olha que não, olha que não. Rematou Quim “Tramela”.  

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