Eugénio Rosa (economista)
A mentira e a ignorância estão cada vez mais presentes nos ataques às
funções sociais do Estado pelos comentadores com acesso privilegiado aos media.
É mais um exemplo concreto do pensamento único sem contraditório atualmente
dominante nos grandes órgãos de comunicação social. Quem oiça esses
comentadores habituais que muitas vezes revelam que não estudaram minimamente
aquilo de que falam, poderá ficar com a ideia de que Portugal é um país
diferente dos outros países da União Europeia onde o “Estado Social" é
insustentável e está próximo da falência por ter garantido aos portugueses uma
saúde, uma educação e uma proteção que inclui o sistema de pensões, mais
“generosos” do que a dos outros países e que, por isso, é insustentável.
Um dos arautos mais conhecidos dessa tese, não porque seja um estudioso
credível mas sim porque tem tido acesso fácil aos media, é Medina Carreira com
as suas diatribes periódicas contra o “Estado Social". Mas antes de
confrontarmos o que dizem estes comentadores com os próprios dados oficiais,
divulgados até recentemente pelo Eurostat, para que o leitor possa tirar as
suas próprias conclusões, interessa desconstruir uma outra grande mentira que
tem sido sistematicamente repetida em muitos órgãos de comunicação social sem
contraditório o que tem determinado que ela passe, a nível de opinião pública,
como verdadeira.
SERÁ VERDADE QUE PORTUGAL FOI OBRIGADO A PEDIR O EMPRÉSTIMO À “TROIKA”
PORQUE NÃO TINHA DINHEIRO PARA PAGAR SALÁRIOS E PENSÕES?
Esta é mais uma das grandes mentiras repetidas sistematicamente que não tem qualquer fundamento real, como os dados do quadro 1, retirados do relatório do OE-2013 do próprio Ministério das Finanças, provam.
Esta é mais uma das grandes mentiras repetidas sistematicamente que não tem qualquer fundamento real, como os dados do quadro 1, retirados do relatório do OE-2013 do próprio Ministério das Finanças, provam.
Em 2011, as receitas dos impostos e contribuições foram superiores às
despesas com Pessoal de todas as Administrações Públicas mais as despesas com
pensões e outras prestações, incluindo as em espécie, que são as prestadas
nomeadamente pelo SNS, em +4.229,6 milhões; em 2012 esse excedente subiu para
4,454,1 milhões e, para 2013, o governo previa que atingisse um excedente de
+6.676,2 milhões. Para além das receitas consideradas, as Administrações
Públicas têm mais receitas. Por ex. na rubrica de "Outras receitas"
foram registadas, em 2012, mais 9.606,2 milhões, segundo o Ministério das
Finanças. E tudo isto num período de recessão económica em que se verifica uma
forte quebra nas receitas fiscais e contribuições. Afirmar, como fazem alguns
comentadores e mesmo jornalistas, que o Estado foi obrigado a pedir um
empréstimo à “troika” porque não tinha dinheiro para pagar salários e pensões é
ignorância ou mentir descaradamente com o objetivo de manipular a opinião pública,
pois os impostos e contribuições pagas todos os anos pelos portugueses são
suficientes para pagar aquelas despesas. A razão porque se pediu o empréstimo à
troika foi para pagar credores leoninos, que são grandes bancos, companhias de
seguros, e fundos muitos deles especulativos e predadores.
A DESPESA DO ESTADO COM AS FUNÇÕES SOCIAIS SERÁ EXCESSIVA E
INSUSTENTÁVEL EM PORTUGAL COMO AFIRMAM ESTES DEFENSORES DO PODER DOMINANTE?
Esta é uma questão que tem de ser esclarecida pois também é utilizada
para manipular a opinião pública. Os dados do Eurostat constantes do quadro 1,
em que é apresentada a despesa total do Estado em percentagem do PIB, permitem
comparar a situação portuguesa com a de outros países da União Europeia.
Em 2011, e são os dados mais recentes disponibilizados pelo Eurostat, a
despesa total das Administrações Públicas em Portugal representava 49,4% do PIB
português, quando a média na União Europeia situava-se entre os 49,1% e 49,5%,
portanto igual. E em 2012, segundo o Relatório do Orçamento do Estado para 2013
(pág. 90) do Ministério das Finanças, a despesa pública em Portugal reduziu-se
para apenas 45,6% do PIB. E neste valor estão incluídos os juros da divida que
atingiram 7.038,9 milhões em 2012 devido a juros leoninos pagos por Portugal.
Se deduzirmos aquela percentagem desce para apenas 41,4%. Afirmar ou insinuar,
como muitos fazem, que a despesa pública em Portugal é excessiva pois é
superior à média dos países da União Europeia é uma mentira. Mas é desta forma
que se procura manipular a opinião pública para levá-la a aceitar o ataque
violento que está em curso em Portugal ao Estado Social, em que um dos
instrumentos é ameaça de mais um corte de 4.000 milhões na despesa pública.
EM PORTUGAL A DESPESA PÚBLICA COM A SAÚDE É INFERIOR À MEDIA DA EU
O ataque ao Serviço Nacional de Saúde tem sido também um dos grandes
objetivos destes defensores do poder económico e político com acesso
privilegiado aos grandes media. O argumento é que a despesa em Portugal é excessiva
e superior à média dos países da União Europeia. Os dados que o Eurostat
divulgou, constantes do quadro 2, provam que isso é mentira.
Como mostram os dados do Eurostat, tanto em percentagem do PIB como
euros por habitante, aquilo que o Estado gasta em Portugal com a saúde dos
portugueses é significativamente inferior não só ao que se verifica nos países
mais desenvolvidos da União Europeia, mas também em relação à média
comunitária. Em 2011, a despesa pública com a saúde em Portugal correspondeu
apenas a 6,8% do PIB quando a média na União Europeia variava entre 7,3% e 7,4%
do PIB. E em euros por habitante, a diferença era ainda muito maior. Em 2011,
em Portugal o gasto público com a saúde por habitante era apenas de 1.097,
quando a média nos países da União Europeia variava entre 1.843 (+68% do que em
Portugal) e 2.094 (+91%). E nos países desenvolvidos a despesa por habitante
era muito superior à portuguesa (Bélgica: +142%; Dinamarca: +229%; Alemanha:
+103%; Irlanda: +142%; França: +131%), embora a diferença de ganhos em saúde
entre Portugal e esses países seja reduzida. Em 2012, com cortes nas
transferências para o SNS e para os hospitais públicos, aquele valor ainda
desceu mais.
A DESPESA COM A PROTEÇÃO SOCIAL EM PORTUGAL É INFERIOR TAMBÉM À MÉDIA
DA EU
Uma outra mentira é a de que a despesa com proteção social em Portugal,
que inclui as pensões, é superior às dos outros países. O quadro 4, com dados
do Eurostat, mostra que não é verdade.
Como mostram os dados do Eurostat, quer se considere em percentagem do
PIB, quer em euros por habitante, a despesa pública com a proteção social em
Portugal, que inclui as pensões, é inferior quer à dos países mais
desenvolvidos europeus quer à média dos países da União Europeia. Em 2011, a
despesa pública com a proteção social em Portugal correspondia apenas a 18,1%
do PIB quando a média na União Europeia variava entre 19,6% e 20,2% do PIB. E
em euros por habitante, a diferença era ainda muito maior. Em Portugal o gasto
público com a proteção social por habitante era apenas de 2.910, quando a média
nos países da União Europeia variava entre 4.932 (+69% do que em Portugal) e
5.716 (+96%). E nos países desenvolvidos a despesa por habitante era muito
superior à portuguesa (Bélgica: +126%; Dinamarca: +274%; Alemanha: +114%;
Irlanda: +110%; França: +151%). Fazer cortes significativos nas prestações com
a justificação de que as despesas em Portugal são excessivas quando se comparam
com outros países da União Europeia é mais uma mentira para enganar a opinião
pública.
EM PERCENTAGEM DA DESPESA TOTAL DO ESTADO, A DESPESA COM AS FUNÇÕES
SOCIAIS EM PORTUGAL É TAMBÉM INFERIOR À MEDIA DOS PAÍSES DA EU
Por ignorância ou com o objetivo de enganar a opinião pública, Medina
Carreira fala de um limite mítico acima do qual o Estado e as funções sociais
seriam insustentáveis, e que em Portugal esse limite foi largamente
ultrapassado. Observem-se os dados do Eurostat constantes do quadro 5 que
mostram que esse limite mítico é também uma mistificação e mentira.
Como revelam os dados do Eurostat, em 2011, 63,4% da despesa do Estado
em Portugal era com as funções sociais do Estado, quando a média nos países da
União Europeia era de 65,7%. No entanto, na Dinamarca atingia 71,8%, na
Alemanha 68,1%, e na França 68,1%, portanto superior e, alguns deles, muito
superior. Afirmar como alguns fazem que as funções sociais do Estado apenas são
sustentáveis se o Estado gastar com elas muito menos de 60% da sua despesa
total revela ou ignorância ou a intenção deliberada de enganar a opinião pública,
Será que a Alemanha, a Dinamarca, a França, são Estados inviáveis?
Por outro lado, a legitimidade do próprio Estado assenta
fundamentalmente nas suas funções sociais já que elas, através dos seus efeitos
redistributivos, reduzem as desigualdades e melhoram de uma forma significativa
as condições de vida da esmagadora maioria da população. Querer reduzir
significativamente a despesa com as funções sociais terá como consequência
inevitável a redução da legitimidade do próprio Estado aos olhos da população e
transformará a sociedade numa selva em que só quem tem muito dinheiro terá
acesso aos principais bens necessários à vida e a uma vida humana com
dignidade.
O que é insustentável e inaceitável é que se esteja a aplicar em
Portugal uma politica fortemente recessiva em plena recessão económica, que
está a destruir a economia e a sociedade portuguesa de uma forma irreparável,
provocando a falência de milhares de empresas e fazendo disparar o desemprego,
o que está a causar uma quebra significativa nas receitas dos Estado e da Segurança Social pondo em perigo a
sustentabilidade de todas as funções sociais do Estado e do próprio Estado. Mas
disto aqueles comentadores com acesso privilegiado aos média não falam nem
querem falar. Os cortes sobre cortes na despesa pública não resolvem este
problema, apenas agrava ainda mais a recessão económica, agravando ainda mais
todos estes problemas. Como dizia Keynes só os imbecis é que não entendem isto.
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