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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Há muito muito tempo:



Era eu uma criança, passados oito dias de concluir o exame da quarta classe, iniciei a minha vida profissional. Era o dia dezoito de Julho de mil novecentos e sessenta. Fiz o exame com distinção mas não havia dinheiro e créditos para continuar a estudar como acontece hoje. Também não havia liceu em Freamunde assim como no concelho de Paços de Ferreira, só cidades como Penafiel, S. Tirso, Guimarães e Porto. Eram a uma distância considerável e não havia transportes diários a não ser para o Porto duas vezes ao dia.
Nesse tempo... era uma criança que jogava à bola e ao pião, tinha cabelo louro e corria atrás da esperança, como quem corre atrás de uma ilusão. 
Os meninos da minha classe social só tinham uma via: as fábricas de móveis, oficinas e a agricultura. Isto no que respeita ao sexo masculino. Do sexo feminino, trabalhavam como criadas de servir, outras, em fábricas de tecelagem que havia em Freamunde, mas eram mal vistas e adjectivadas pelos rapazes. Criadas de servir era o que dava mas tinham que se deslocar para outras terras, principalmente cidades, em Freamunde havia umas quantas porque eram umas quantas as famílias ricas que existiam.
Assim só restou a alternativa do trabalho. Era um fartar de meninos nas fábricas de móveis. Naquele tempo a idade mínima para iniciar o trabalho era os catorze anos. Os patrões maribabam-se param essa determinação. Não o faziam para promover o trabalho infantil, mas sim, por consideração pelos pais das crianças que eram seus empregados. Quantas vezes, me escondi, dos “fiscais do trabalho” mas eles tinham consciência desse drama. Se não fosse assim qual a nossa ocupação! Andarmos de lado para lado com as nossas brincadeiras? As nossas mães tinham uma catrefada de filhos e não podiam segurar-nos em casa o que nos restava eram as brincadeiras e asneiras que cometíamos. Não havia as (ATLs) Activades Tempos Livres, como existem hoje, os Ciclos Preparatórios, por isso para nos tornarmos homens as fábricas de móveis eram as nossas universidades.
Viver e não ter vergonha de ser feliz, estudar, estudar e estudar, a beleza de ser um eterno aprendiz.
Olhando para esses tempos e para o que nos tornamos só temos que lamentar a política seguida por Salazar. Quantos de nós ocupamos lugares de relevo nas várias profissões que nos foram dadas ou escolhidas! Se em lugar disso fosse dada oportunidade a quem merecia para seguir os estudos quantos de nós tinha sido uma mais-valia para o País. Se foram “mestres” nos seus ofícios por que não nos estudos! O que o País não perdeu? Foram décadas e décadas de atraso. Hoje pagamos por essa política.
Por isso olhando para o dia dezoito de Julho de mil novecentos e sessenta fez-me recordar este bocado de prosa. Pelo que fui e pelo que podia ter sido. 

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