Era eu uma criança, passados oito dias de concluir o exame da quarta classe, iniciei a minha vida
profissional. Era o dia dezoito de Julho de mil novecentos e sessenta. Fiz o
exame com distinção mas não havia dinheiro e créditos para continuar a estudar
como acontece hoje. Também não havia liceu em Freamunde assim como no concelho
de Paços de Ferreira, só cidades como Penafiel, S. Tirso, Guimarães e Porto.
Eram a uma distância considerável e não havia transportes diários a não ser
para o Porto duas vezes ao dia.
Nesse tempo... era uma criança
que jogava à bola e ao pião, tinha cabelo louro e corria atrás da
esperança, como quem corre atrás de uma ilusão.
Os meninos da minha classe
social só tinham uma via: as fábricas de móveis, oficinas e a agricultura. Isto
no que respeita ao sexo masculino. Do sexo feminino, trabalhavam como criadas de servir,
outras, em fábricas de tecelagem que havia em Freamunde, mas eram mal vistas e
adjectivadas pelos rapazes. Criadas de servir era o que dava mas tinham que se
deslocar para outras terras, principalmente cidades, em Freamunde havia umas
quantas porque eram umas quantas as famílias ricas que existiam.
Assim só restou a alternativa
do trabalho. Era um fartar de meninos nas fábricas de móveis. Naquele tempo a
idade mínima para iniciar o trabalho era os catorze anos. Os patrões
maribabam-se param essa determinação. Não o faziam para promover o trabalho
infantil, mas sim, por consideração pelos pais das crianças que eram seus
empregados. Quantas vezes, me escondi, dos “fiscais do trabalho” mas eles
tinham consciência desse drama. Se não fosse assim qual a nossa ocupação!
Andarmos de lado para lado com as nossas brincadeiras? As nossas mães tinham
uma catrefada de filhos e não podiam segurar-nos em casa o que nos restava eram
as brincadeiras e asneiras que cometíamos. Não havia as (ATLs) Activades Tempos
Livres, como existem hoje, os Ciclos Preparatórios, por isso para nos tornarmos
homens as fábricas de móveis eram as nossas universidades.
Viver e não ter vergonha de
ser feliz, estudar, estudar e estudar, a beleza de ser um eterno aprendiz.
Olhando para esses tempos e
para o que nos tornamos só temos que lamentar a política seguida por Salazar.
Quantos de nós ocupamos lugares de relevo nas várias profissões que nos foram
dadas ou escolhidas! Se em lugar disso fosse dada oportunidade a quem merecia
para seguir os estudos quantos de nós tinha sido uma mais-valia para o País. Se
foram “mestres” nos seus ofícios por que não nos estudos! O que o País não
perdeu? Foram décadas e décadas de atraso. Hoje pagamos por essa política.
Por isso olhando para o dia
dezoito de Julho de mil novecentos e sessenta fez-me recordar este bocado de
prosa. Pelo que fui e pelo que podia ter sido.
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