Não! Não estou aqui para ser falado. O que disse está dito e digo-o
quantas vezes for preciso. A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima.
Estas palavras foram vociferadas por João da “Quinta”, homem que todos
guardavam respeito e a quem era atribuída uma lealdade infinita, chegando
alguns a dizer que valiam mais as suas palavras que as várias notas de mil
escudos, ali exibidas por Leonel da “Esmeralda”, da venda de uma junta de bois.
Era assim quase sempre depois de a feira do gado terminar. Os dias trezes
e vinte e sete eram pródigos nestas teimas e birras na tasca do senhor Abílio
da “Leocádia” depois de bebidos uns bons copos de vinho tinto de uma pipa
comprada em Amarante. Havia quem dissesse: se lhe desse da outra pipa não havia
esta discordância.
Ao que respondeu o Manuel Costa: - Cada um bebe da pipa que quiser mas,
fica bem o Leonel da “Esmeralda” defender o que é seu quer tenha qualidade ou
não. A coruja não pediu à águia se visse uns passarinhos muito bonitos para não
os comer porque eram seus filhos! E o que aconteceu? Não foram comidos pela
águia! Por que carga de água não há-de defender o que produz? Embora conste que
usa uma loção qualquer como mistura. Estas palavras caírem bem entre alguns.
Não era por acaso que Manuel Costa as dizia. Tinha fama de bom orador e ainda
mais de beber à custa do parceiro.
Acho bem o que dizes e até acrescento mais! Todos nós devíamos de beber
vinho da pipa que o Leonel da “Esmeralda” vendeu. Assim contribuíamos para que
o nosso dinheiro não saísse de Freamunde para Amarante. Estas palavras foram
proferidas por Manuel Pinto que teve o apoio do Adelino Marques e António
Sousa, não estivessem eles a beber da caneca de litro que Leonel da “Esmeralda”
tinha mandado vir.
Mas, verdade seja dita. O da pipa de Amarante é diferente no trago e
paladar. Tem mais cor. Basta ver, as borras que deixa na caneca o que torna
mais difícil a sua lavagem. O que me leva a pô-lo mais caro porque gasta mais
água e liquido a lavar. O da pipa vendida por Leonel da “Esmeralda” tem menos cor
menos paladar mas não é de desprezar. Antes de ter a concorrência da pipa do de
Amarante vendia-se bem e não era porque em terra de cegos quem tem um olho é
rei! Não, não era por isso. A minha tasca tem fama de ser frequentada por bons
apreciadores de vinho - dizia Abílio da “Leocádia”.
De qualquer maneira o João da “Quinta” retorquia que não retirava nem
uma vírgula ao que tinha comentado o que levou a ouvir-se da boca do Zé
“Lavrador”: - O que leva a esta discussão é estar-se no defeso do futebol e à falta
de falar das mães dos árbitros fala-se de coisas de somenos importância.
Se a conversa já estava um pouco alterada esta frase levou-a para os
pícaros dessa discussão. Há pessoas que julgam que vão deitar água no lume e
acabam por deitar gasolina. Não era porque ali estava o pai de algum árbitro e
com isso sentiu um adorno na testa. Não! Não era. Era porque o autor da frase
era sócio do F. C. Paços de Ferreira e julgaram que ele queria dizer que as
vitórias dos jogos de futebol entre S. C. Freamunde e aquele clube até àquela
data eram derivadas às arbitragens.
Conversa vai conversa vem falou-se de tudo. Até houve quem dissesse que
não vos valeu de nada vir buscar o João “Cherina” porque levaste cinco a um e
em campo neutro - para quem não saiba o jogo realizou-se em Penafiel pelo
motivo do Carvalhal estar interdito - por isso de nada valeu o Lopes das
“Canelas” o vir contratar, se também contratasse o Zeca “Mirra”, talvez
marcassem mais um golo porque o Zeca “Mirra” segurou e bem no João “Cherina”,
palavras ditas por João da “Quinta” que além de acompanhar sempre o seu
Freamunde tinha boa memória e vários recortes de jornais desses confrontos.
Bem quis ripostar o Zé “Lavrador”. Ainda disse que o Lopes das
“Canelas” só percebia de mobílias mas houve alguém que lhe lembrasse. - Estás
com azar, até nisso somos melhores. Não vês as fábricas que temos e vós só com
oficinas. Aqui há a rainha (Fábrica Grande) e a princesa (Fábrica do Calvário)
na construção de móveis didácticos e de mobílias para lares. Vós só sabeis
fazer camas e cadeiras - disse o Adelino Marques.
Também não te lembras de estarmos a perder por dois a um e o Babosa ter
fracturado um braço ainda no primeiro tempo e como não havia substituições teve
de jogar com o braço ao peito e mesmo assim marcou um golo e ganhamos por
quatro a dois? Olha que lembro-me bem. O Carvalhal estava cheio como um ovo.
Houve interferência do árbitro? Não queres atribuir a isso melhor qualidade da
parte do Freamunde. Em tantos jogos que se jogaram quer em Freamunde quer em
Paços em que os ganhamos todos foi com a complacência dos árbitros - continuava
a falar o João da “Quinta”. Da maneira que falava havia alguém que dizia que se
fosse mais novo era o futuro treinador do Freamunde e até calhava bem, uma vez
que Gil Aires tinha ido para África, e assim era tudo prata da casa. Ao
contrário dos nossos rivais, que eram todos de fora.
Sabe-se que as conversas de futebol tomam tamanha forma que passam a
ser ouvidas a alguma distância. Foi o que aconteceu e levou a que os clientes
do café Novo e Velho do Teles e os da tasca do Ilídio Carneiro “Catorze”
viessem cá para fora para se inteirar do sucedido. Apercebendo-se disso a
conversa passado pouco tempo acabou. Todos eram amigos e não queriam que viesse
algum fanático e interpretasse mal a posição do Zé “Lavrador” e tirasse
desforra. O homem podia e devia defender a sua dama fosse onde fosse. Aliás,
estas conversas tinham lugar nas tascas, quer nas feiras de Freamunde ou do Cô
e nunca por isso se zangaram.
Assim, com uma boa-noite, todos se despediram. Para alguns o terreno
estava inclinado mas não era pelo efeito do árbitro, mas sim, do vinho da pipa
de Amarante e da do Leonel da “Esmeralda”. Com isto tudo, ainda se ouvia o João
da “Quinta” dizer: - o que disse está dito! O que levou o Zé “Lavrador” a
retorquir: - Depois de uns bons copos bebidos já não sabemos qual é o de
Amarante ou o do Leonel da “Esmeralda” se tem ou não alguns pós. Dou-te razão
homem, olha que foi a única que tiveste neste dia! - Disse João da “Quinta”.
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