Era domingo o dia cinco de Fevereiro de mil novecentos e sessenta e um, lembro-me dessa data e do dia. Neste dia comemora-se a Santa Águeda, no lugar com o mesmo nome, na freguesia de Sousela, do concelho de Lousada. É uma santa devota do leite materno.
A minha mãe tinha feito uma promessa a qual sentiu que foi cumprida. Como nessa altura o horário semanal de trabalho, era de segunda-feira a sábado, das oito horas às dezassete, ficou decidido que era num domingo que calhasse o dia de Santa Águeda que a promessa era cumprida.
Assim aconteceu. Nesse dia, logo pela manhã, a família toda, partiu do lugar da Bouça onde residíamos, com um farnel para se almoçar por lá, a distância era seguramente de uns oito quilómetros e nesse tempo o meio de transporte era a pé. Carenciavam os transportes de carro ou autocarro e o local era de fraco acesso. É num monte que está situada a capela de Santa Águeda.
Ainda nos encontrávamos em Freamunde quando se soube que em Luanda, Angola, tinha havido um motim, morreram vários polícias, sendo um, filho desta terra. Só no regresso soubemos da veracidade dos factos.
Dizia-se que foi uma insurreição de um movimento de libertação Angolano e que invadiram as esquadras de polícia, 7ª. Esquadra, Cadeia de S. Paulo e a Casa de Reclusão em Luanda. Mais tarde e como a história nos demonstra foi o rebentar do terrorismo como era apelidado pelos nossos governantes.
Passados bastantes dias partiam para Angola os primeiros contingentes de tropa para repor a ordem, tinha havido bastantes massacres, principalmente nas fazendas situadas na zona dos Dembos, distrito do Bengo - Caxito, Tentativa, Sassa, Quitexe, Maria Fernanda, Margarido e outras mais. De Freamunde partiram alguns, pelo tempo fora, foram centenas e centenas de jovens soldados ali cumprir o seu serviço Militar.
Dessas centenas morreram dois soldados, um Piloto Aviador, num acidente aéreo, o outro também de acidente, exceptuando o polícia, de seu nome, Nuno Augusto Ferreira Mendes. Conhecia-o, tinha estima por ele. Teve uma vida desafortunada, cumpriu o serviço militar na Índia em condições adversas, como eram a de todos os soldados mas, principalmente os daquele Estado.
Nessa altura tinha doze anos e nunca pensei em ser um dos mobilizados para a guerra do ultramar, mais tarde, alastrou-se às outras províncias ultramarinas. Como o que disse em cima, foram centenas e centenas, de Freamundenses mobilizados, que com algum sacrifício e sorte superaram esse infortúnio.
A dezassete de Abril de mil novecentos e setenta e um, parti no barco Vera Cruz, para Angola, zona dos Dembos. Fazia parte da Companhia de Caçadores 3341 do Batalhão 3838. Já em Balacende, onde ficava sediado o meu quartel, um dia numa conversa com o primeiro-sargento Barradas, da minha companhia, depois de lhe dizer de onde era, falou-me do polícia, Nuno Augusto, morto no motim de quatro de Fevereiro. Estavam ambos a desempenhar serviço na sétima esquadra, junto ao cemitério Novo - próximo da mesma sétima esquadra. Só teceu elogios ao Nuno Augusto. É ver como às vezes somos surpreendidos com coisas que nunca imaginávamos ser possíveis.
Dez anos antes, no dia cinco de Fevereiro, nunca pensei que isso fosse possível. Se não fosse o vinte e cinco de Abril talvez o meu filho também ali fosse parar. Por isso todos os jovens devem estar gratos aos “capitães de Abril” que contribuíram para que esse dia fosse possível. Freamunde foi uma terra abençoada, pois em centenas e centenas de seus filhos que foram cumprir o serviço militar para as províncias ultramarinas só dois ali sucumbiram.
Paz às suas almas.
Paz às suas almas.

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