Uma das canções do livro musical “Anónimos de Abril” que há dias foi lançado pelas edições Zigurate - que permite ouvir as canções compostas por Rogério Charraz e José Fialho Gouveia e ler as histórias de pessoas pouco conhecidas envolvidas na Revolução dos Cravos e no combate ao fascismo português – chama-se “Os Mortos de Abril”.
A canção é dedicada a Fernando Giesteira, José Barneto, João Arruda e Fernando Reis.
Fernando Carvalho Giesteira morreu na rua António Maria Cardoso na tarde do dia 25 de Abril de 1974 quando levou um tiro na cabeça de uma bala disparada da sede da PIDE/DGS, onde se tinham refugiado agentes da polícia política da ditadura que, de cabeça perdida, começaram a disparar para a rua onde estavam algumas tropas envolvidas no golpe militar e civis que, tal como este “morto de Abril” decidiram ir ver ali o que se passava.
Outra vítima desse momento foi José Barneto, cuja fotografia, tirada pouco antes de ser morto, aparece no jornal A Capital do dia seguinte a celebrar com outras pessoas a conquista da liberdade.
Também o estudante universitário açoriano João Guilherme Arruda foi filmado pelas câmaras da RTP a celebrar esse dia e a revolução, pouco antes de ser baleado no crânio por um tiro dos pides. Faleceria, vítima desse ferimento, no dia seguinte no Hospital de São José.
O soldado Fernando Luís Barreiros dos Reis estava de licença no 25 de Abril mas, ao ouvir uma informação de que a Junta de Salvação Nacional pedira a todos os militares de licença que se apresentassem nos respetivos quartéis, decidiu ir à sua unidade. Passou, no caminho, pela rua António Maria Cardoso, provavelmente parou para ver o que se passava, e foi mortalmente baleado.
No livro “Anónimos de Abril”, José Fialho Gouveia detalha as histórias destas vítimas mortais da PIDE/DGS e expõe também as circunstâncias em que um agente desta polícia, António Lage, morreu a tiro, ao tentar fugir dos soldados e da multidão, o que não é contado na canção.
O texto fala dos antecedentes dos quatro mortos de Abril pela PIDE/DGS, das famílias enlutadas (pais, viúvas, filhos) e das reações que tiveram ao receber as notícias fatais.
A canção, por seu lado, que Rogério Charraz e Joana Alegre interpretam, resume essas histórias, as origens familiares, geográficas, sociais, alguns traços de carácter e o destino comum que, tragicamente uniu estes quatro homens, expresso neste refrão: “Quis sonhar a liberdade/E quando Abril por fim se deu/Houve tiros na cidade /E em Abril ele morreu”.
Os Mortos de Abril
Quis sonhar a liberdade
E quando Abril por fim se deu
Houve tiros na cidade
E em Abril ele morreu
Tinha a cabeça certa
Para na vida ir mais além
Mas quando a pobreza aperta
Custa às vezes ser alguém
Deixou os Açores para trás
Em busca do seu caminho
O João quis ser capaz
De andar em desalinho
Quis sonhar a Liberdade...
De família transmontana
Sem política na mesa
Porque quando a fome esgana
Faz um luxo da braveza
O seu pai era mineiro
Mas para ele isso não queria
E o Fernando Giesteira
Para Lisboa veio um dia
Quis sonhar a Liberdade...
Foi o Zeca toda a vida
O Alentejo o viu nascer
A família enriquecida
Não gostava do poder
Era um pai-marido-pão
Sustentava os que eram seus
Escriturário a profissão
A quatro filhos disse adeus
Quis sonhar a Liberdade...
De Arranhó terra natal
O Fernando Luís Reis
Toda a vida se deu mal
Com quem queria impor-lhe leis
Foi um desses tais soldados
Que iam para Penamacor
Por não serem muito dados
A dizerem «sim, senhor»
Quis sonhar a Liberdade
E quando Abril por fim se deu
Houve tiros na cidade
E em Abril ele morreu
Na Rua António Maria
Quatro mortos à civil
Caíram naquele dia
Foram mortos em Abril
Quis sonhar a Liberdade...
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Foto: Fernando Giesteira, com apenas 18 anos, foi o mais jovem dos mortos do dia 25 de Abril. A identidade dos seus assassinos continua por conhecer.
Anónimos de Abril e “Os Mortos de Abril”
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