(Raphael Machado in Twitter, 19/01/2025)
A confirmação de que Israel assinará a proposta de cessar-fogo mediada pelos países árabes e pelos EUA é o prego no caixão dos últimos esforços anti palestinos de Israel – bem como na carreira política de Benjamin Netanyahu.
Para todos os efeitos, só pode ser considerado uma derrota esmagadora do sionismo. Certamente não o fim do expansionismo israelense, mas a derrota de suas pretensões mais recentes, animadas pela reação à Operação Dilúvio Al-Aqsa.
Quando se fala em “vitória” e “derrota” numa guerra é necessário retornar a Clausewitz para recordar que a guerra é a continuação da política por outros meios. As guerras são, portanto, travadas para que se alcance objetivos políticos que não se pôde alcançar através de outras ferramentas.
E quais eram os objetivos políticos de Israel em Gaza? 1) Destruir o Hamas; 2) Expulsar a população palestina do norte de Gaza para anexar essa região; 3) Resgatar os prisioneiros israelenses em Gaza pela força; 4) Manter a ocupação militar permanente do resto de Gaza.
Nenhum dos objetivos foi alcançado. Portanto, Israel sofreu uma derrota humilhante. É irrelevante, aqui, falar sobre a quantidade de palestinos mortos ou prédios destruídos porque não é com base em cadáveres ou ruínas que podemos avaliar os resultados finais de um conflito.
O Hamas, em vez de destruído, está mais forte do que nunca, segundo o Jerusalém Times. O seu ritmo de ataques aumentou, bem como as baixas causadas diariamente ao Exército de Israel. A população palestina não vai a lugar algum, ela permanece ocupando todo o território de Gaza. Netanyahu, ademais, não conseguiu resgatar os prisioneiros. E as circunstâncias tornaram inviável cogitar a possibilidade de manter tropas permanentemente em Gaza.
E os termos do cessar-fogo evidenciam bem essa derrota. Israel terá que abandonar Gaza e receberá prisioneiros de volta, mas terá que entregar prisioneiros palestinos em uma troca na qual Israel terá que entregar 3 prisioneiros palestinos para cada 1 prisioneiro israelense. O mesmo acordo foi recusado, em maio de 2024, por Benjamin Netanyahu.
É óbvio que Israel violará o cessar-fogo. E é claro que tanto Israel quanto a Resistência Palestina aproveitarão o cessar-fogo para se rearmarem. Não obstante, ficou claro que o lado em maior desvantagem durante as negociações era o lado sionista.
Mas a peça central para entender esse cessar-fogo é o fato de que o negociador que mais teve influência no aceite israelense foi Steve Witkoff, emissário de Donald Trump para as negociações de paz no Oriente Médio. Witkoff, que é um magnata imobiliário, teria pressionado, ameaçado e desrespeitado Netanyahu até arrancar dele a paz.
Além de obrigar Netanyahu a se reunir no Shabbat, Witkoff teria ameaçado cortar o apoio militar e econômico estadunidense a Israel em caso de recusa da paz. O Times of Israel confirma que o papel principal na mesa de negociações foi do assessor de Trump.
Mas como assim? Os “especialistas” não prometeram que Donald Trump era o “candidato do sionismo” e que ele era mais sionista que Joe Biden? Ele não teria vindo para exterminar os palestinos, destruir a Mesquita Al-Aqsa e, basicamente, atuar como o “Messias” de Israel?
Aparentemente o próprio Trump não recebeu tal memorando.
Os analistas geopolíticos sérios não estão minimamente surpresos. Já no ano passado, durante o período eleitoral, já havia indícios de que Trump estava buscando se distanciar de Netanyahu. Entre as raízes desse distanciamento estaria a rapidez com a qual Netanyahu tratou a vitória de Biden nas eleições anteriores. Mas o próprio fato de que Netanyahu deu início a um genocídio sob a proteção de Biden já designava a figura de Netanyahu como uma personalidade política apodrecida e, portanto, não apenas inútil quanto prejudicial.
Já na campanha, Trump apontou que o principal impedimento para a paz no Oriente Médio era Benjamin Netanyahu. Eventualmente, também o acusou de traição mais de uma vez e por diversos motivos, até o momento em que o insultou de forma bastante dura e agressiva. A rotura se aprofunda com o acordo de paz imposto por Trump, com Netanyahu se recusando a ir à posse do novo presidente dos EUA.
Agora, a questão passa a ser: por que Trump abandonou Netanyahu e está pressionando pela paz na questão Israel-Palestina?
Não é por nenhum anti sionismo, pacifismo ou humanitarismo.
A questão é que, em um primeiro lugar, o ônus de apoiar Israel no contexto geopolítico contemporâneo é muito alto. O apoio a Israel obviamente foi uma das coisas que custou a vitória a Biden. O que Trump ganharia, exatamente, apoiando Netanyahu e Israel? Absolutamente nada.
Em segundo lugar, é necessário apontar para o fato de que em seu novo mandato Trump tem o apoio do Big Oil, das grandes petrolíferas dos EUA que esperam um nível maior de apoio em comparação com o período Biden. Ao contrário do que se costuma acreditar, a Big Oil tende a preferir soluções diplomáticas para os conflitos no Oriente Médio porque conflitos militares reduzem a estabilidade regional e dificulta os investimentos de longo prazo.
Em terceiro lugar, hoje em dia Trump possui também conexões empresariais e familiares com o mundo árabe, como a família Boulos, ao qual ele se vinculou pelo casamento de sua filha Tiffany a Michael Boulos. O pai de Michael é um empresário importante com conexões inclusive no Eixo da Resistência, o que passa a contrapor a influência de Jared Kushner, marido de Ivanka, sua outra filha.
Por outras palavras, os interesses empresariais de Trump e a sua atual base de apoiantes económicos apontam para a estabilização do Levante, o que contrasta com o messianismo escatológico da elite sionista, que empurra para o estabelecimento de uma Grande Israel, independentemente dos custos.
Fonte aqui
Do blogue Estátua de Sal
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