Estou cada vez mais convencido que não são as diferenças ideológicas que nos separam, mas o carácter de cada um de nós. Na clara evidência que muitas opções políticas que cada um escolhe, são, desde logo e obviamente, determinadas pelo nosso perfil psicológico.
Mas para não descer à minudência dos pequenos pormenores que, bem ou mal, estabelecem as diferenças entre nós, o que levaria a discussão para patamares exponenciais e microscópicos, retirando-lhe, na prática, qualquer benefício, tentarei expor apenas uma distinção maior, mais abrangente e também mais determinante.
Fui membro activo durante muitos anos do sistema político vigente. Primeiro em actividades puramente locais e sem consequências de maior e depois num nível bem mais nacional, muito perto dos verdadeiros centros de decisão. Mas quer numa situação quer noutra, houve um aspecto que sempre me acompanhou: a sensação de não fazer parte daquele esquema, de ser quase um observador com poucos pontos em comum com quem me acompanhava. Obviamente que me é fácil agora dizer isto sem ter mostrado então qualquer “desalinhamento” eloquente. Fora um comportamento tantas vezes desajustado e não ortodoxo, não tenho quaisquer outras “provas” do que digo. Mas acreditem que no varrimento que faço dessas memórias, é essa a quase palpável sensação que me fica. Esperando, obviamente, que esta conclusão não esteja a ser “desonestamente” pervertida pela condescendência do tempo.
Mas voltando ao tema sobre o qual queria falar, é-me impossível não vislumbrar naqueles anos todos um perfil tipo que parece dominar os agentes políticos em geral. Mais ostensivo a nível local e ligeiramente mais subtil quando o grau é nacional. Obviamente que poderão ser encontradas aqui ou ali discrepâncias que podem parecer impedir a demonstração do mencionado perfil. Mas não é verdade. Com maior ou menor acuidade, o retrato é fidedigno e é recorrente de um lado ao outro da geometria política.
Eu gostava de lhe poder chamar o “filho da puta”, mas compreendo que a obscenidade possa corroer a credibilidade do que digo. Portanto e numa rara concessão da minha parte, vamos apenas chamar-lhe o “FdP”.
O “FdP” distingue-se logo pela sua viscosidade. Despreza o comprometimento, em primeiro lugar porque a sua “coragem” não o permite e em segundo lugar porque isso abrir-lhe-á sempre a porta de defesa no futuro ao mesmo tempo que consegue o impossível: estar de bem com Deus e com o Diabo. No fundo, no fundo, e numa perspectiva quase “científica”, a opção ideológica que se assume (enfim, sem grandes exageros) é quase indiferente. Depende muito mais dos “fringe benefits” que cada lado oferece do que propriamente do que o “FdP” realmente pensa. Aliás, esta “coisa” de cada um desatar a querer pensar pela sua “própria cabeça” é algo de muito subversivo ao estado de coisas que faz proliferar o “FdP”.
Depois o “FdP” faz-notar pelo seu egotismo. Faz-se notar não é, definitivamente, a expressão mais feliz. Porque na verdade a última coisa que o “FdP” deseja é que alguém note que ele é absurdamente egoísta. Não quer que ninguém perceba que a sua agenda pessoal é muito mais relevante que a tal ideologia que calhou ele achar mais conveniente. Como não quer que ninguém perceba que há conceitos que lhe são completamente desconhecidos: a amizade, a solidariedade, a gratidão, a empatia, etc. Não tem amigos, tem “aliados” temporários e pontuais. Não faz a mínima ideia do que quer dizer solidariedade porque isso implicava disponibilidade para tentar perceber o que os outros sentem. E se há valor que carece em absoluto de qualquer sentido para o “FdP” é a gratidão. Num arremedo de perspectiva em que tudo o que conseguiu foi apenas por ele próprio e tudo o que os outros lograram se deve à sua “generosa” intervenção. Numa recusa de qualquer “débito” que lhe possa eventualmente limitar a ganância e a avidez. Até porque essa realidade artificial onde ele se integra, conceder-lhe-á a possibilidade de mais tarde ou mais cedo, não correr o risco de ostensivamente trair ninguém. Porque só um ingénuo e um amador reconhece intrínseca e sinceramente qualquer vínculo perante outros. Portanto não há traições. Nunca. Quanto muito há alterações das circunstâncias em que o tal “traído” deixou de representar uma oportunidade para o “FdP”. E se o “traído” caíu em desgraça, não há melhor do que estar do lado da multidão ululante que o pretende condenar à morte por apedrejamento. Melhor será mesmo conseguir atirar a primeira pedra, mas sem grande “escarcéu” porque não se sabe as voltas que a vida pode dar.
E como o universo do “FdP” é “agendocêntrico” ou seja, onde tudo, mas mesmo tudo gira à volta dos seus interesses pessoais, é normal que o “dinheiro” assuma uma relevância estratosférica. Num aproveitamento interesseiro de um engano, infelizmente, generalizado e global em que uma mera ferramenta (o dinheiro) é vista como um objectivo e, ainda por cima, essencial senão mesmo primordial e monopolizante. Num engano humano que nos leva a classificar tudo o que acontece na proporção directa das suas consequências financeiras e na proporção inversa do que realmente ser humano quer dizer. Num engano ainda maior porque aceita que este critério (o dinheiro) seja o critério prevalecente sem perceber que ao permitir tal, está a permitir um mundo onde as más pessoas são muito mais eficazes e eficientes que as boas pessoas. E assim o “FdP” estará nas suas “sete quintas”. Num esquema que domina e em que é especialista. Num esquema que determina que, antes de tudo, antes do que quer que seja, se assegure o rendimento essencial (onde essencial não é propriamente um conceito fechado). Posterior e normalmente, o dinheiro continuará a ser sempre importante e determinante porque é quase impossível ao “FdP” renegar algo que lhe é quase genético: a acumulação. Ao mesmo tempo e aqui quase que perdem parte da malícia que usam para mascarar o que realmente pretendem, assumem com alguma clareza o seu desprezo pelos “desgraçados” da vida. Aproveitando o terreno fértil que a “humanidade” dos nossos dias providencia, não têm pejo em confundir desgraça financeira com desgraça ética. Numa conclusão tão “falsa como Judas”: se tens problemas de dinheiro é a prova final e cabal que não prestas. Sem perceberem quem é que realmente não presta.
Continuando, como o “FdP” não se distingue pela sua inteligência, mas pela sua esperteza, como o “FdP” não se distingue pela sua bravura, mas pelo calculismo cobarde, a melhor forma de prosseguir os seus intentos é normalmente conseguida pelo “tratamento” da informação. O maldizer, a calúnia, a difamação são uma espécie de “3ª feira no escritório”. Por razões que se percebem (pouca criatividade, necessidade de ter algo de sólido para convencer os outros, etc.) a informação que é “tratada” pelo “FdP” parte quase sempre de um facto verdadeiro. Que é tão trabalhado, que é tão diluído no meio da informação que realmente se quer fazer passar, que é tão adulterado para relevar o sentido que se pretende que o resultado final mais não é que uma total falsidade. Porque para o “FdP” a verdade e a mentira não têm qualquer valorização ética. Só interessa o que de proveitoso uma ou outra lhes pode dar. Mas acima de tudo, existe um princípio básico, incontestável e sem excepção: nunca permitir o contraditório. Nunca enfrentar a “vítima” olhos nos olhos. Primeiro porque tal exigia um nível de dignidade que o “FdP” não compreende até porque a única dignidade que entende é a formal, a de fachada, aquela “para inglês ver”. O resto exigia coragem e abrir brechas na sua própria agenda. O que lhe é liminarmente proibido. Tal como na vida, na política andamos todos com um alvo nas costas. Um alvo que não conseguimos vigiar directamente e que só muito depois do tempo adequado percebemos estar pejado de facadas. Mas aí já é tarde. Sem compreendermos minimamente o que aconteceu, como aconteceu, onde aconteceu, quando aconteceu ou quem fez acontecer, o momento em que nos apercebemos das facadas é também o momento em que já estamos no lado de lá da “salvação”. O momento em que já não há volta atrás possível. Num género de “trânsito em julgado” de sentença em processo em que, pura e simplesmente, não fomos ouvidos. Em que não nos foi dada qualquer hipótese de defesa.
Tal como na vida, também na política, este é o “monstro” que simboliza a normalidade. É este o “monstro” que irá conseguir vencer na vida e na política. E quando a nossa vida é determinada por estes “monstros” quer directamente porque são o paradigma da nossa actual sociedade quer indirectamente porque são transversais e estruturais à política que também nos regula a vida, não há muito a fazer a jusante. Num mundo onde a “realpolitik” reina, onde o facto consumado é quase irrecorrível, onde a forma prevalece sobre a substância, a simples constatação dos sintomas não terá qualquer consequência.
Na correcta versão do “Proletarier aller Länder, vereinigt euch!” que o manifesto comunista de Marx e Engels mentirosa e perversamente brandiu para acicatar invejas e angariar injustificadas simpatias, só há uma solução: “Boas Pessoas de todo o mundo, uni-vos!” Porque o vosso silêncio, a vossa apatia e resignação são acima de tudo coniventes e cúmplices.
22/01/2025 by
Do blogue Aventar
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