(Nicole Guardioka, in mural do Facebook de Alfredo Barroso, 19/01/2025)
Não sei quem escreveu o discurso/testamento de Joe Biden aos estado-unidenses, mas admiro a sua lucidez. Fez o diagnóstico mais severo e sintético do “estado da nação”, que é também o do “Ocidente alargado” de que a Europa é a parte mais significativa.
Esta oligarquia, que congrega o dinheiro, o poder político e militar e de influência, é também a que nos governa e manipula, todos os dias e a todas as horas. Um mundo que um punhado de indivíduos pode moldar e manipular ao sabor das conveniências, diabolizando, aterrorizando, destilando o medo e os ódios ou, pelo contrário, criando mitos e heróis inquestionáveis. Mas estes oligarcas não chegaram ao topo dos poderes de um dia para o outro, nem tiveram de exercer qualquer tipo de violência física: chegaram às posições que agora ocupam graças ao exército inumerável dos «cretinos numéricos» em que estamos todos arregimentados, com algumas – poucas – resistências.
Sim, fomos todos deslumbrados pela revolução informática, as «novas tecnologias», rendidos ao “progresso” que introduziram em todos os campos das atividades humanas, das finanças à agricultura e pecuária, do comércio á comunicação e aos transportes, da biologia e da genética, para invadir finalmente os domínios da investigação e inovação e da criação artística que promete a Inteligência artificial.
Sim, participámos no linchamento ideológico de todos os “lançadores de alerta” que incitavam à reflexão e propunham levantar controlos, limites, e uma avaliação criteriosa dos riscos e benefícios.
Os “velhos”, como eu, que se assustam e indignam com a indigência da nossa sociedade da informação, da censura omnipresente, da manipulação das memórias e da história são invariavelmente remetidos para a impotência resmungona dos “velhos do Restelo”.
Quando os livros desaparecem das casas, quando as palavras são pouco a pouco esvaziadas de sentido, quando os ecrãs ocupam todas as atenções, como exercer a tal “vigilância” a que Biden apela aos seus concidadãos, para resistirem à desinformação e às falsas informações?
Exemplarmente, os nossos comentadores interpretaram o discurso de Biden como endereçado ao seu sucessor Trump, como se este e a sua corte fossem a tal “ameaça” à democracia que convém derrubar quanto antes. Ou seja, como (mais) uma manifestação de ressentimento do derrotado.
Os Gates, Musk, Zuckenberg, Bezos e companhia não se deixam perturbar: Trump não é o seu problema, é a sua criatura, a que vai ajudá-los a completar a sua irresistível ascensão até ao pináculo do poder planetário.
Há já poucos Estados em condições de lhes impor limites e, quando terminarem de colonizar o espaço com os seus milhares de satélites, até as fronteiras e barreiras linguísticas ficarão definitivamente obsoletas.
Tudo, obviamente, em nome do progresso e do futuro radioso de uma Humanidade sem coração nem cabeça, mergulhada nos limbos de um mundo virtual, sem dores nem compaixão, e puro divertimento…
Do blogue Estátua de Sal
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