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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

HÉLDER ROSALINO CORTOU-NOS O PÃO E COME BRIOCHES NO GOVERNO:

"A falta de noção do Governo, além de imoral, acarreta riscos políticos muito perigosos, porque agrava cada vez mais o fosso entre “nós” e “eles”, um dos motes que estão a engordar o Chega.
Ana Sá Lopes, Público, 30/12/2024
A nomeação de Hélder Rosalino para secretário-geral do Governo, a ganhar mais do que o primeiro-ministro e o Presidente da República, é um escândalo a vários níveis. Primeiro, é imoral que num país em que os políticos não têm salários por aí além, e não há coragem para os aumentar – para não chocar com a péssima realidade salarial portuguesa –, alguém ache que tem o direito de entrar para o Governo a ganhar mais do que o primeiro-ministro e o chefe de Estado.
O problema não é de Rosalino, claro. Ele trabalhava no Banco de Portugal, que responde perante o Banco Central Europeu, e que é o único sítio público no país onde os salários estão alinhados com a média europeia. Não quer ir para o Governo perder dinheiro. O Banco de Portugal não é português. O Governo é português. A culpa é do primeiro-ministro, que escolheu Rosalino e alterou uma lei de véspera para permitir que o futuro secretário-geral (que será uma espécie de “governanta” do executivo) venha a ganhar mais do que Montenegro leva para casa no fim do mês. Só Hélder Rosalino podia ocupar aquele posto? Não havia mais ninguém?
Espantosamente, o Governo acha que vai “poupar” com a contratação de Rosalino, como disse ao PÚBLICO. Ou seja, Rosalino ganharia sempre os tais 15 mil euros enquanto quadro do Banco de Portugal e seria preciso pagar a um secretário-geral. Só que os 15 mil euros virão do Orçamento do Estado – Mário Centeno recusou pagar o salário a Rosalino, invocando que as regras europeias não permitem que os bancos centrais financiem governos.
Para já, num país onde os salários médios são baixíssimos e não acompanharam a subida dos salários mínimos, é imoral que um governante ganhe 15 mil euros.
Depois, se nos lembrarmos de quem era o governante há 10 anos ou pouco mais, o estômago começa a revoltar-se. Hélder Rosalino foi uma das “estrelas” do Governo que implementou o programa da troika. Como secretário de Estado da Administração Pública, quis despedir funcionários públicos – todos aqueles que, tendo sido enfiados naquela terra de ninguém que foi o sistema de “requalificação” e "mobilidade", não tivessem encontrado emprego ao fim de um ano. Isto em plena troika, quando não havia empregos. Felizmente, o Tribunal Constitucional evitou que Rosalino mandasse mais gente para a pobreza e o desemprego, e considerou a lei inconstitucional.
O homem que agora vai ganhar 15 mil euros mensais no Governo foi o mesmo que cortou salários, aumentou o horário de trabalho de 35 para 40 horas semanais e tentou cortar pensões da Caixa Geral de Aposentações a partir de 600 euros, com efeitos retroactivos. O Tribunal Constitucional também não permitiu o ataque do Governo (quem deu a cara foi Rosalino) aos mais velhos e frágeis.
Esta nomeação é imoral. Mas também é politicamente absurda, porque deita por terra aquela estratégia de Luís Montenegro de se distanciar de Pedro Passos Coelho e do Governo que foi o rosto da troika em Portugal. Um dos rostos mais simbólicos da troika foi, efectivamente, Hélder Rosalino.
A falta de noção do Governo ao tomar decisões deste género, à la Maria Antonieta, conforme a famosa frase do “não têm pão, comam brioches”, acarreta riscos políticos muito perigosos, porque agrava cada vez mais o fosso entre “nós” e “eles”, um dos motes que estão a fazer crescer em Portugal o Chega. Hoje, a revolta contra o sistema de “castas” não está a aumentar o eleitorado dos partidos à esquerda do PS, que estão em mínimos de sempre. Está, sim, a engordar a direita populista radical.

Ter decidido contratar Hélder Rosalino por 15 mil euros e dizer que ainda se vai “poupar” é um sinal de que o Governo, ainda que seja jovem, está totalmente desligado do país onde vive. Vamos todos pagar por isso, e a conta sairá mais cara ao país do que o salário de Hélder Rosalino."

Paulo Marques

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