Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

sábado, 23 de novembro de 2024

O MÍSSIL BIDEN FOI LANÇADO SEM REGRESSO:

«É assustador pensar que nos dois meses que lhe restam [Joe] Biden mantém intacta a sua "autoridade exclusiva" ('sole authority') sobre o armamento nuclear dos EUA» - V.S.M.

O redator dos discursos de Obama, Ben Rhodes, publicou em 2018 um livro de memórias sobre a sua experiência no gabinete presidencial (O Mundo Como Ele É, Random House). Uma longa crónica palaciana, povoada de observações sobre factos e pessoas. Na descrição de Joe Biden, então vice-presidente, Rhodes usa uma fórmula que hoje soa a profecia: em momentos críticos, na Situation Room, Biden poderia agir como um “míssil não-guiado” (unguided missile).

Foi isso mesmo que sucedeu com a sua decisão de autorizar o uso pela Ucrânia (com a assistência técnica inevitável de pessoal militar americano) dos mísseis balísticos ATACAMS contra alvos na Rússia. Para comemorar os 1000 dias de guerra, Kiev concretizou o primeiro ataque, e no dia seguinte, o fiel Keir Starmer autorizou os mísseis britânicos de cruzeiro, Storm Shadow para outro golpe em território de Moscovo.

Esta decisão coloca os EUA e a Grã-Bretanha, implicando por arrastamento a NATO, em estado efetivo de guerra com a Federação Russa, de acordo com a revisão da sua doutrina de uso de armas nucleares, apresentada em Setembro e ratificada há dias por Putin. Para além do risco para as vidas de milhares de milhões de pessoas que esta mudança representa, ela atesta o grau de profunda degradação do sistema político norte-americano, transformado num perigo para a segurança global.

Em primeiro lugar, a decisão revela um total desrespeito pela promessa de “transição serena” prometida a Trump, numa recente reunião na Casa Branca. É conhecido que Trump não deverá alterar o apoio de Biden à política brutal e genocida de Israel, contudo, é manifesta a sua intenção de resolver a guerra da Ucrânia com o instrumento que a poderia ter evitado: seriedade diplomática.

Mesmo que a decisão tenha sido acicatada pelo secretário de Estado [Anthony] Blinken, não duvido que Biden parece ter saboreado a vingança de deixar a Trump um terreno ainda mais minado do que já estava. Com isso, terão sido também punidos os eleitores que nas urnas e nas sondagens repudiaram a continuação da guerra. Esta manobra de Biden foi efetuada, aparentemente, sem informar o Departamento de Defesa, que reiteradamente desaprovou esse passo.

O mais importante neste gesto, contudo, reside na alteração da postura estratégica nuclear de Washington. Na relação com a Rússia, como superpotência nuclear, acabou a doutrina da Destruição Mútua Assegurada (MAD), que implicava, a todo o custo, evitar a situação de pré-guerra frontal ocorrida na Crise dos Mísseis de Cuba de 1962.

É assustador pensar que nos dois meses que lhe restam, Biden mantém intacta a sua “autoridade exclusiva” (sole authority) sobre o armamento nuclear dos EUA.

(*) Viriato Soromenho-Marques é Professor Universitário

texto de Viriato Soromenho-Marques no ‘DN’ de 23.11.2024

Sem comentários:

Enviar um comentário