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quarta-feira, 1 de junho de 2022

A América é um bom líder do mundo?

O principal problema do debate político atual neste Atlântico Norte, onde uns militam e outros vivem, é a dualidade de critérios com que este mundinho turbulento é analisado - e essa parcialidade, essa batota intelectual, começa pela benevolência com que olhamos os Estados Unidos da América.

Em teoria a América (vamos chamar-lhe assim para simplificar, embora o continente americano tenha muitos outros países, como todos sabem) é a terra da liberdade, dos direitos individuais e da representatividade democrática. E, de facto, é assim que as suas leis fundamentais e as suas instituições supostamente organizam o Estado.

Em teoria a América, o país mais poderoso do planeta, só policia o mundo para combater o terrorismo e assegurar a liberdade, a justiça, a democracia. E é esse, realmente, o discurso dos seus políticos.

Mas da teoria à prática há um caminho de desvio, de decomposição, de destruição da pureza do ideal inicial.

Na prática a América é o país que mais presos tem no mundo, quase um quarto da população prisional mundial (22%, para ser rigoroso), com valores per capita muito superiores às piores ditaduras, autocracias e oligarquias que se espalham pelo planeta.

Na prática, a América, o país mais rico do mundo, tem mais de 11,4% da população a viver abaixo do limiar da pobreza (números oficiais do censos de 2020), o que representa 37,2 milhões de pessoas.

Na prática, a América é um país violento, onde as pessoas se matam constantemente nas ruas com os 43 milhões de armas que têm nas mãos - a média anual é superior a 40 mil mortes e, este ano, já vamos em 22 mil assassinatos com armas de fogo, como aconteceu a semana passada em Uvalde, no Texas, quando um miúdo de 18 anos matou 19 crianças e 2 professores da sua escola.

Na prática, o sistema democrático da América está sempre sob suspeita: ou são eleições cujo resultado, sistematicamente, há já muitos anos, é investigado por alegadas fraudes; ou são congressistas e senadores que atuam como representantes de lobbys que financiaram as suas campanhas, defraudando as populações que votaram neles; ou são paralisações intermitentes do funcionamento do Estado por desentendimentos absurdos entre os dois partidos do poder, que valorizam mais a politiquice mesquinha do que a satisfação das necessidades do povo norte-americano.

Na prática, o valor absoluto da liberdade de expressão na América - hipoteticamente a maior contribuição do país para o mundo civilizado, o que todos deveríamos agradecer - está a ser brutalmente torpedeado: a censura política na internet e nas redes sociais, por exemplo, tornou-se corriqueira.

Na prática, a América, com ou sem NATO, passa a vida a invadir outros países e a colocar governantes - vários deles ditadores sanguinários - que sirvam os seus interesses: Coreia, Vietname, Haiti, Iraque, Afeganistão, Granada, antiga Jugoslávia são, de memória, algumas das mais conhecidas, mas uma ida rápida à Wikipédia, a citar números oficiais, lista quase 200 intervenções militares norte-americanas no estrangeiro desde 1900 até aos nossos dias - é mais de uma por ano.

Ah!, e a América é o país da tortura em Guantánamo, da perseguição desumana e indefensável a Julian Assange, da falsificação de provas na ONU para justificar a segunda invasão do Iraque, da colocação de escutas no gabinete da chanceler alemã Angela Merkel, da prisão dúbia de uma gestora da empresa chinesa Huawei, do assassinato do líder militar do Irão, do apoio à Arábia Saudita, da indiferença face à Palestina, da instigação das Primaveras Árabes que substituíram ditaduras por outras ditaduras ou pela desordem e o caos.

A América é o país envolvido no golpe Euromaiden na Ucrânia, em 2014; da expansão da NATO até às portas da Rússia e das ameaças constantes ao seu maior rival económico, a China - tudo ações que poderiam ter muitas boas razões iniciais, mas que estão a lançar-nos numa III Guerra Mundial, com ameaça de armas nucleares.

Porque é que a América é um exemplo a seguir? Por que a aceitamos como líder do mundo? Por que a defendemos quando ela faz tantas coisas indefensáveis?...

Pedro Tadeu

Jornalista

No DN

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