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segunda-feira, 30 de maio de 2022

Hanôver — a cerimónia da despedida:

Wrap up — as reuniões (os meetings) da Europa terminam habitualmente com uma cerimónia de despedida — uns copos, umas tapas e umas palavras de circunstância — que se designa wrap up.

António Costa vai à Hannover Messe a maior feira de tecnologia industrial do mundo, em que que Portugal será, pela primeira vez, país parceiro. Não é difícil ser suficientemente realista para considerar que vai a uma wrap up pelo papel que a Alemanha desempenhou na Europa e no mundo após o final da Segunda Guerra.

A Feira de Hanôver realiza-se desde o fim da II Guerra Mundial e a sua importância acompanhou o papel da Alemanha como locomotiva europeia e grande potência industrial. Este papel deve-se a condições de organização interna da Alemanha (RFA e depois unificada), à opção pela indústria pesada e pelos produtos de alto valor acrescentado, mas também à sua localização geográfica, no centro da Europa, fazendo de placa giratória entre a Europa Ocidental e a Oriental.

A Europa do pós-guerra assentou numa parceria franco-alemã. Em que, de forma muito simples, a Alemanha fazia de formiga e a França de cigarra. Após o fim da Guerra Fria a Alemanha também tomou os novos países “democráticos” do Leste a seu cargo, em particular a Polónia. Em parte o sucesso e o vigor da Alemanha deve-se a uma relação de mútuas vantagens com a Rússia, que fornecia a energia para a Alemanha a baixo custo e também matérias-primas essenciais, materiais ferrosos e cereais. A Alemanha é (era) o maior parceiro da UE com a Rússia (o maior investidor), a Rússia fornecia 41% do gás e 34% do petróleo. O novo gasoduto Nordstream permitiria a Alemanha importar gás da Rússia sem passar pela Ucrânia, nem pela Polónia, nem pelos Estados Bálticos (curiosamente os mais agressivos contra a Rússia).

A guerra da Ucrânia destruiu esta estratégia alemã e russa de criar um novo espaço económico e político no centro da Europa, entre a China e os Estados Unidos. Só motivos exteriores muito fortes podem justificar a intervenção — a invasão — da Rússia na Ucrânia e a morte no ovo desta nova entidade. Esta guerra só aproveita aos Estados Unidos e, por tabela, à China. Cherchez la femme.

A Ucrânia, os ucranianos, estão a pagar com a sua própria destruição a destruição da Alemanha e até da França — o eixo franco-alemão que foi o pilar da EU — como atores relevantes no mundo no médio-prazo. Os oligarcas ucranianos e a sua marioneta serviram e estão a servir de quinta coluna para entregarem a soberania do seu povo e do seu território. A intensidade da campanha de manipulação na comunicação social a que assistimos revela a dimensão do logro de que a invasão da Ucrânia resultou de um espasmo do maldito Putin a que os ucranianos estão a resistir heroicamente! (Estão a ser sacrificados!)

Esta Feira de Hanôver como a maior feira industrial mundial será, infelizmente e com elevada probabilidade, uma das últimas, isto porque a Alemanha, sem energia barata, ameaçada a Este e Oeste, vai deixar de ser o dínamo que produzia riqueza para a Europa, vai deixar de ser competitiva com a China ou com a Índia. O afundamento da Alemanha arrastará o da França e o de toda a Europa Ocidental, Itália incluída. A destruição do modo de viver europeu (o estado de bem-estar) causará inevitáveis convulsões sociais em toda a Europa.

Não deixa de ser surpreendente que os mesmos políticos que se deslocam a Hanôver de sorrisos de orelha a orelha e os empresários que os acompanham sejam os mesmos que estão a destruir (ou já destruíram) as bases em que assentou a elevação de Hanôver a maior feira industrial do mundo. Portugal foi convidado para a cerimónia que nas celebrações europeias se designa como wrap up, a da despedida. Presumo que para a próxima será convidada a Polónia… o novo estado vassalo dos EUA na região.

Carlos Matos Gomes 

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