A guerra na Ucrânia termina quando os americanos quiserem. Esta é uma constatação tão óbvia que até é muito provável que venha a ser evidenciada primeiramente nos Estados Unidos do que pelos seus fiéis servidores.
Antes de continuar, é conveniente desde já responder à réplica que esta afirmação suscita na mente de muita gente. Que é, como se sabe, esta: “Se os russos é que começaram a guerra, eles é que estão em condições de lhe pôr termo logo que queiram”.
Parece uma réplica racional, mas não é. De facto não é isso o que vai acontecer, enquanto os russos não atingirem os objectivos que consideram suficientes para evitar tudo aquilo que os levou a fazer a guerra, não haverá paz.
Não vale a pena vir com moralidades que nada resolvem. Na Ucrânia foi-se criando ao longo os anos, abertamente depois de 2014, uma situação que visava militarizar o país para impedir que as objecções e reservas que a Rússia levantava à sua política interna e externa pudessem ser concretizadas pela força, sendo a posterior entrada na NATO a garantia de que a Rússia perderia toda a margem de manobra relativamente à Ucrânia, sob pena de incorrer numa guerra global contra a NATO.
A Rússia, como é do conhecimento público e inclusive decorre de compromissos internacionais que chegaram a ser assumidos, pretendeu resolver aquela situação pela via negocial tanto com os Estados Unidos, que eram os principais instigadores e apoiantes daquela política ucraniana, como individualmente com cada um dos países da União Europeia que, já nessa altura estava dando sinais claros de que seguiria relativamente à Ucrânia a política adoptada pelos Estados Unidos. Depois de um período de quase oito anos em que a situação se foi gradualmente agravando e mais ainda nos meses que antecederam o início da guerra, tornou-se claro que os Estados Unidos não estavam na disposição de negociar o que quer que fosse, tendo a Rússia concluído que somente por via da força militar poderia encontrar uma solução para os seus problemas, fosse ela de natureza de natureza diplomática ou decorrente da força pura e simples.
Portanto, para concluir esta parte: é absurdo supor que a Rússia vai pôr temo à guerra sem alcançar o que pretendia antes de a iniciar.
Quanto à questão de a guerra continuar ou não continuar – e aqui é que eu não tenho certeza se António Costa percebe bem isto – tudo depende dos Estados Unidos e em parte, muito limitada, dos seus aliados europeus.
Quanto aos Estados Unidos, a ideia com que se fica da sua política externa, tanto na chefia do departamento de Estado, como na do Pentágono, além obviamente da da Casa Branca, é que a chamada “política realista” desapareceu dos corredores do poder em Washington. Uma política caracterizada por uma diplomacia forte que nunca negociava conflitos nem diferendos ocorridos no interior do que considerava a sua área de influência, qualquer que fosse a ressonância dessa política, mas que não se recusava a negociar assuntos de iminente conflito entre as partes em contenda, por mais auto-suficiente ou até agressiva que fosse a retórica que antecedia essas negociações.
A política realista foi a seguida pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria até Reagan, e mesmo Reagan que marcou todo o seu primeiro mandato a afirmar que a rejeitava e que a via do diálogo nunca seria a solução para a paz, acabou, embora num contexto específico e irrepetível, por negociar e abrir as portas a uma negociação que o seu sucessor concluiu com êxito.
Hoje, a situação é completamente diferente da que havia em 1980 bem como da que se foi criando nos dez anos subsequentes e ainda muito mais diferente daquela com que os Estados Unidos conviveram nos últimos dez anos do século passado. Diferente e muitíssimo mais perigosa.
Esta é a percepção que se começa ter hoje relativamente aos Estados Unidos. Não apenas por parte da Rússia, da China, dos grandes países emergentes, mas também já entre alguns dos seus aliados. A percepção de que a política externa americana não se negoceia, qualquer que seja o risco, impõe-se.
Claro que esta política, na Europa, encontrou eco, desde sempre, nos países russófobos, para os quais tudo o que seja hostilizar a Rússia e se possível segregá-la da comunidade internacional será o ideal, tendo ainda contado agora no plano individual com o apoio de personalidades que ocupam lugares de relevo, como é o caso da revanchista Frau Ursula, do catalão que representa a política externa e do belga que representa io Conselho da União Europeia, bem como do incendiário secretário-geral da NATO. Mas é uma política que suscita muitas dúvidas e justificados receios aos principais Estados da União Europeia, além de lhes estar a subtrair a relevância política que o seu peso económico-militar lhes dá no interior da própria União Europeia.
Tanto a Alemanha como a França têm por adquirido que os Estados Unidos não querem resolver os conflitos pela via diplomática. Essa a razão por que tentam manter um canal aberto com Moscovo. É todavia uma posição difícil, que os coloca permanentemente na corda bamba, sempre sem o domínio das consequências previsíveis dessa sua diplomacia. Se afirmam que a Ucrânia não pode aderir à União Europeia tão cedo e se numa linguagem que é ela própria susceptível de outras interpretações por aqueles a quem se refere, afirmam que a Rússia não pode ser humilhada e que é do interesse da comunidade internacional que seja um Estado como os outros, ou ainda, quando falam de paz, se não põem à cabeça (e não puseram) a questão territorial, isso merece-lhes imediatamente as maiores críticas de Kiev e faz subir as reservas que os Estados russófobos ligam à sua diplomacia. Essa a razão, não obstante toda a ambiguidade e duplicidade das suas palavras e actos, por que nem o Chanceler alemão, nem o Presidente francês, foram até hoje a Kiev, razões que não andarão seguramente muito longe das do Papa Francisco.
Tendo alinhado e ampliado o folclore mediático na sua servil deslocação a Kiev, António Costa prestou um péssimo serviço à paz, em nada contribuiu para desagravar a situação militar e deu mais um passo na futura desagregação da União Europeia. Costa é afinal um político doméstico que serve para fazer uns cozinhados para provincianos que se deslocam às romarias, mas não percebe nada e é um grande ignorante em alta cozinha!
José Manuel Correia Pinto
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