Sempre gostei do Porto. O meu pai também gostava do Porto e tinha lá o seu melhor amigo: Óscar Lopes. Tenho família no Porto. Nunca achei piada às graçolas que muitos lisboetas repetem quando se fala no Porto, tais como: «A melhor coisa que o Porto tem é o comboio para Lisboa».
Percebo o sentimento portista de
uma certa rivalidade em relação à capital. E até agressividade. É um fenómeno
universal: a segunda cidade de um país afirma-se geralmente na luta contra a
primeira. Basta olhar aqui para o lado, para Espanha, e vermos a relação
conflitual que existe entre Barcelona e Madrid, chegando ao ponto de gerar na
Catalunha um fortíssimo movimento independentista.
Vou até mais longe: não só
percebo a atitude dos portistas em relação a Lisboa como aceito alguns dos seus
excessos: é sempre difícil dosear a rivalidade e colocá-la dentro de limites
razoáveis.
Dito isto, porém, é preciso
acrescentar: não pode valer tudo. E o FC Porto, na sua afirmação clubística,
tem passado várias vezes a fronteira do aceitável.
O presidente do clube, Pinto da
Costa, dada a sua frieza (e algum cinismo) não passa habitualmente as marcas.
Faz as coisas pela calada. Já o mesmo não se pode dizer do atual treinador do
clube, Sérgio Conceição, que tem protagonizado cenas patéticas.
São vários os momentos em que se
tem envolvido em agressões verbais com colegas de profissão. E não só: nunca
foi bem esclarecido um episódio em que um treinador do Belenenses disse ter
levado um murro no túnel do Jamor, com Conceição por perto. E se não o
agarrassem, Sérgio Conceição ter-se-ia envolvido numa cena de pancadaria com o
treinador do Portimonense, Paulo Sérgio. Pergunta-se: como é que um condutor de
homens se pode comportar assim? Que autoridade tem para pedir aos seus
jogadores uma atitude civilizada dentro do campo?
Sérgio Conceição não sabe perder.
O que até certo ponto é compreensível: a não aceitação da derrota é um
fenómeno, por assim dizer, natural. O homem, no seu estado selvagem, não aceita
perder. Reage mal quando é derrotado. Foi contra isso que a civilização teve de
batalhar. Se os seres humanos não aprendessem a perder, a vida em sociedade
seria impossível. A todo o momento haveria por toda a parte cenas de pugilato,
agressões, mortes. A civilização moderou as reações humanas e fê-las aceitar a
adversidade.
Mas Sérgio Conceição parece por
vezes não ter sido tocado pela civilização. Reage como um animal ferido. Quando
não ganha um jogo fica transtornado, entra em campo a insultar o árbitro,
parece querer bater em toda a gente.
Assim foi mais uma vez na passada
segunda-feira, quando não venceu o Moreirense num jogo decisivo para as contas
do título. O campeonato entrou na reta final, cada ponto conta, e perder dois
pontos neste momento não é fácil. Mas é nestas alturas precisamente que se vê a
natureza das pessoas.
No fim do jogo, dirigiu-se ao
árbitro a bravejar, com modos agressivos, seguido por várias elementos do seu
staff – um das quais, um homem corpulento e de cabelo branco, parecia apostado
em bater em alguém (talvez no árbitro), sendo agarrado por várias pessoas para
não consumar o ataque. Foram cenas lamentáveis. Mas o pior estava para vir.
No exterior da zona do balneário
do FC Porto, dois repórteres de imagem esperavam a saída da comitiva portista.
Pinto da Costa dirigiu-se a um deles, este mostrou-se algo intimidado e retirou
a câmara do tripé, enquanto outro filmava a cena. Nisto, aproxima-se um
indivíduo que insulta este segundo repórter, ameaça-o, pergunta-lhe por que
razão está a filmar e a seguir começa a bater-lhe. Percebe-se que a câmara anda
aos trambolhões. Pinto da Costa, de frente para o agressor, assistiu a tudo.
Não se sabe se lhe disse alguma coisa, mas competia-lhe dizer: sendo a
‘autoridade’ máxima naquele momento, pois era o presidente do clube a que
pertencia o homem, era seu dever intervir decididamente para evitar a agressão.
Mas a verdade é que no registo áudio não consta nenhuma palavra sua.
Isto não pode acontecer. O FC
Porto, quando perde, não pode comportar-se como uma instituição fora da lei, um
bando de jagunços, atacando tudo e todos, agredindo árbitros, adversários e
jornalistas, criando um clima de intimidação e de terror. Assisti de perto, há
anos, na cidade do Porto, a cenas de perseguição a adeptos de outro clube. Sei
de comentadores televisivos que, apesar de serem portistas, viram os seus bens
destruídos por terem feito uma crítica à equipa. Sei de um jornalista também
adepto do FC Porto agredido por um jogador dentro da camioneta do clube, que
apresentou queixa e mais tarde a retirou, negando os factos.
Pergunto: o que aconteceria se,
em vez de ser um jogo com o Moreirense para o nosso campeonato, tivesse sido um
jogo da UEFA para uma taça europeia? O FC Porto estaria em muito maus lençóis.
Possivelmente seria banido das provas europeias por largo período. Dir-se-á que
o clube nada teve que ver com a agressão ao jornalista. Mas teve que ver com
todo o ambiente de excitação e violência verbal que a envolveu. Também os
clubes ingleses não eram responsáveis pelos hooligans e, por causa destes,
todas as equipas do Reino Unido se viram afastadas de provas europeias durante
largos anos. E só assim foi possível erradicar o hooliganismo.
Em geral sou contra a repressão.
Mas este comportamento do FC Porto, do seu treinador, dos seus dirigentes, dos
seus adeptos não se vai resolver com paninhos quentes. Enquanto o clube não
apanhar um grande susto, enquanto não estiver à beira de ser afastado dos
relvados durante algum tempo, as coisas não vão mudar.
Repito: não sou adepto de medidas
repressivas, prefiro a persuasão. Mas isto está a passar as marcas. E se não
houver uma reação firme das autoridades do desporto, o FC Porto não se
emendará.
José António Saraiva
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