Rádio Freamunde

https://radiofreamunde.pt/

domingo, 26 de julho de 2020

Jornalismo que não merece a jorna:

Eis a sinopse do programa “O Outro Lado“, da RTP 3:
«Programa semanal de debate sobre os principais assuntos nacionais e internacionais, feito por alguns dos mais destacados nomes da nova geração de comentadores portugueses.
Um debate que terá também acompanhamento em direto, através das redes sociais, um programa que conta com a participação dos espectadores.
Coordenado e apresentado por João Adelino Faria, com Pedro Adão e Silva e José Eduardo Martins.»
Sim, o nome de Ana Drago não aparece. Noutro lugar, tropeçamos numa sinopse alternativa:
«Debate sobre a atualidade com Rui Tavares, Pedro Adão e Silva e José Eduardo Martins. Moderação de João Adelino Faria.
O OUTRO LADO
Um programa com uma nova geração que gosta de política, mas que não se deixou "triturar" pelas máquinas partidárias.
Três personalidades com sentido crítico, que pensam e falam livremente.
Três militantes da blogosfera que vão estar muito activos nas redes sociais, mesmo durante o programa.»
Sim, continua a aparecer o nome Rui Tavares. E, incrivelmente, esses erros factuais, e esses desleixos, e essa desconsideração, não são o que mais importa nos textos deixados aos deus-dará do universo digital de um canal público. É o conteúdo intencional dos mesmos que merece atenção, pedindo a pergunta: para quem estão a falar? Aparentemente, é para as “redes sociais”, prometendo-se uma interactividade autoral que, afinal, se resume à leitura pelo jornalista presente de alguns textos publicados no Twitter, escolhidos a correr pelo automatismo do seu gosto. Quanto à léria de estarmos perante “alguns dos mais destacados nomes da nova geração de comentadores portugueses” e de uma geração que “não se deixou “triturar” pelas máquinas partidárias“, para além do ranço anti-partidos e antidemocracia, só consegue transmitir a certeza de que ainda ninguém na produção do programa deu pela presença do José Eduardo Martins em estúdio.
Mas vamos ao jornalista de serviço, João Adelino Faria. Ele corresponde ao perfil típico de quem acha que ser jornalista consiste em aproveitar a difusão mediática paga pelo seu empregador para começar a despachar opiniões, as suas. Calhando estar num programa de jornalismo de opinião, essa pulsão toma-o de assalto e, sem variação, semanalmente entra em picanços com os comentadores vedetas que, aparentemente, alguém na estação convidou e contratou por, aparentemente, terem opiniões de alta qualidade. Assim não pensa, exactamente, o nosso Faria, sendo useiro e vezeiro no bate-boca com Pedro Adão e Silva. O que isso diz do jornalista não fica como um dos maiores enigmas da História, apenas se regista que há mais um felizardo na TV do suposto “serviço público” que é pago para ser sectário ao serviço da direita a seu bel-prazer. Contudo, também aqui não estamos perante o maior prejuízo que este simulacro de jornalista provoca no público.
Na edição de 21 de Julho, a partir do minuto 22, contemplamos a leitura dos contributos enviados pelos bravos das “redes sociais”, a que se segue um resumo da problemática em causa e o lançamento de questões para um comentador, no caso o Pedro. O João Adelino juntou-se ao coro daqueles que tinha seleccionado e, ao construir a questão em debate consequente, mandou ao interlocutor uma interrogação encharcada no seu próprio entendimento da realidade. Ora, do outro lado estava um verdadeiro cientista, tranquilamente uma das mais proveitosas e decentes cabeças a “produzir opinião”, e isso mais uma vez se provou de forma espectacular: o professor do ISCTE não deixou escapar um dos sofismas lidos pelo jornalista, o qual remetia para uma notícia do JN cujo título e conteúdo era falacioso, e tratou de explicar o que estava realmente em causa nessa peça “jornalística”. Ou seja, o comentador residente fez o que o jornalista armado em comentador não só não foi capaz de fazer como até estava interessado em evitar que se fizesse de modo a prolongar, expandir e aumentar o erro de percepção na origem das opiniões que tinha destacado nas feéricas “redes sociais”.
Só há duas causas para o fenómeno. Ou temos um jornalista que procura enganar a audiência, ou temos um jornalista que ignora o que se passa à sua volta e não tenciona abandonar o seu estado de ignorância. Seja lá qual for a causa, o que se passa com esta figura ilustra o fim da linha onde se encontra o jornalismo em todo o Mundo. O modelo da imprensa escrita, que vinha do século XVIII e XIX, começou a ficar obsoleto com a rádio e com a televisão. Nos anos 90 levou a machadada final com a Internet, mas já estava moribundo, apenas ainda não tinha sido avisado. Agora, o próprio jornalismo televisivo já não consegue puxar carroça pois a fragmentação imparável da atenção torna irrelevante o que acontece neste ou naquele ecrã noticioso. Mas a solução para esta crise inaudita na imprensa não virá, seguramente, de deixarmos os jornalistas rivalizarem com os comentadores. Precisamente ao contrário, isso tem sido fatal pois reduz a credibilidade – leia-se, a utilidade para a inteligência – dos meios de comunicação social.
O jornalismo do futuro tem de aspirar a ser o jornalismo do passado. Essa curiosidade primeira, literalmente humilde, pela realidade e por aqueles que lhe dão sentido. Não precisamos do jornalismo para se substituir aos políticos, aos filósofos e aos moralistas. Precisamos tão-somente que o jornalismo se concentre na diminuição da estupidez reinante.
Do blogue Aspirina B


Sem comentários:

Enviar um comentário