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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Diplomacia para Totós (edição especial André Ventura):

Há políticos que sonham com o dia em que chegam a Belém para assumir funções de Chefe de Estado. E há André Ventura, que parece sonhar com o dia em que chega a Belém para assumir funções… de moderador de grupo do Facebook. Um daqueles grupos onde se expulsam membros por “comportamento suspeito”, se publicam memes com erros ortográficos e se discute geopolítica com gifs de gatinhos.
Ventura disse há dias que, se fosse Presidente da República, teria “dificuldade” em receber Lula da Silva porque, disse ele, não gosta de estar com ladrões. É bonito ver alguém com ambições presidenciais confundir a diplomacia do Estado português com a gestão de bloqueios de um grupo do Instagram.
Vamos por partes.
Primeiro, ser Presidente da República implica receber chefes de Estado estrangeiros. Todos. Até aqueles que não são o nosso tipo, mas que, por acaso, representam um país com 200 milhões de habitantes. É um bocado como ir a casamentos de primos: às vezes não vamos porque queremos, vamos porque temos de ir. E porque há bolo.
Mas Ventura imagina a política externa como um menu do Uber Eats: “Hoje não me apetece Brasil… vou pedir uma Hungria com topping de valores tradicionais". Infelizmente para ele, as Nações Unidas não funcionam com a opção “remover amigo”.
E depois há o pequeno detalhe de Lula não ter qualquer condenação penal em vigor. Mas Ventura, especialista em Direito à la carte, resolveu decretar que se ele acha que Lula é um criminoso, então é. É o Direito Penal de Influencer: um ordenamento jurídico onde o Código Penal é substituído pelo feed do Twitter e a defesa consiste em reagir com um emoji irritado.
Agora imaginem Ventura, em Belém, no seu primeiro dia como Presidente, a ligar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros a perguntar: "Malta, quando vierem aí líderes estrangeiros, posso fazer como faço com os vizinhos chatos e fingir que não estou no palácio? Tipo… apagar as luzes e ficar em silêncio atrás do sofá?"
Claro que não pode. A Constituição não prevê a figura presidencial do “assim não me apetece fazer de Presidente”. A diplomacia não é opcional. Não é para satisfazer os caprichos do Chefe de Estado, é para defender os interesses de Portugal e melhorar as nossas relações com os outros países. É como pagar IMI: pode aborrecer, pode custar, mas não há volta a dar.
Ventura, aliás, até reconhece isto a meio gás: disse que, se estivesse em causa o interesse nacional, lá receberia Lula. Ou seja, percebe a regra… mas continua a fingir que não percebe.
Ventura jura que não se senta com “ladrões”… excepto quando tem mesmo de o fazer. É como aquele adolescente que jura que nunca mais fala com um colega, excepto quando precisar dos apontamentos para o teste.
É o equivalente diplomático da famosa “demissão irrevogável” de Paulo Portas: começou com uma posição absoluta, moralíssima e cheia de convicção, mas acabou a descobrir que afinal o “irrevogável” vinha com porta de emergência.
O que ficámos a saber é que, para Ventura, a política externa de Portugal deveria ser conduzida com base num princípio revolucionário: o critério pessoal de simpatias e antipatias do Presidente. Um Presidente que decide quem recebe ou não consoante o "teste do humorzinho presidencial". Um Portugal transformado num episódio permanente de reality show: A Casa da República — Quem Entra, Quem Sai e a Quem o Presidente dá Ghost.
No fundo, o que Ventura nos está a dizer é simples: se você quer relações internacionais maduras, ponderadas e responsáveis… escolha outro candidato. Este prefere outra coisa. Prefere o país governado como se fosse um grupo de WhatsApp onde ele é administrador e tem o poder supremo de “remover participante”.
E sinceramente? É coerente.
Errado, perigoso e absurdamente infantil.
Mas coerente.
Afinal, quem é que precisa de diplomacia, quando pode gerir o país com a teimosia obstinada de um adolescente zangado?
Portugal merece melhor do que transformar Belém num grupo de WhatsApp moderado por alguém que confunde o palácio com a creche onde faz birras, mas lá acaba por aparecer para copiar os apontamentos.
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O Comentador de Situações 

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