Há políticos que sonham com o dia em que chegam a Belém para assumir funções de Chefe de Estado. E há André Ventura, que parece sonhar com o dia em que chega a Belém para assumir funções… de moderador de grupo do Facebook. Um daqueles grupos onde se expulsam membros por “comportamento suspeito”, se publicam memes com erros ortográficos e se discute geopolítica com gifs de gatinhos.
Vamos por partes.
Primeiro, ser Presidente da República implica receber chefes de Estado estrangeiros. Todos. Até aqueles que não são o nosso tipo, mas que, por acaso, representam um país com 200 milhões de habitantes. É um bocado como ir a casamentos de primos: às vezes não vamos porque queremos, vamos porque temos de ir. E porque há bolo.
Mas Ventura imagina a política externa como um menu do Uber Eats: “Hoje não me apetece Brasil… vou pedir uma Hungria com topping de valores tradicionais". Infelizmente para ele, as Nações Unidas não funcionam com a opção “remover amigo”.
E depois há o pequeno detalhe de Lula não ter qualquer condenação penal em vigor. Mas Ventura, especialista em Direito à la carte, resolveu decretar que se ele acha que Lula é um criminoso, então é. É o Direito Penal de Influencer: um ordenamento jurídico onde o Código Penal é substituído pelo feed do Twitter e a defesa consiste em reagir com um emoji irritado.
Agora imaginem Ventura, em Belém, no seu primeiro dia como Presidente, a ligar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros a perguntar: "Malta, quando vierem aí líderes estrangeiros, posso fazer como faço com os vizinhos chatos e fingir que não estou no palácio? Tipo… apagar as luzes e ficar em silêncio atrás do sofá?"
Claro que não pode. A Constituição não prevê a figura presidencial do “assim não me apetece fazer de Presidente”. A diplomacia não é opcional. Não é para satisfazer os caprichos do Chefe de Estado, é para defender os interesses de Portugal e melhorar as nossas relações com os outros países. É como pagar IMI: pode aborrecer, pode custar, mas não há volta a dar.
Ventura, aliás, até reconhece isto a meio gás: disse que, se estivesse em causa o interesse nacional, lá receberia Lula. Ou seja, percebe a regra… mas continua a fingir que não percebe.
Ventura jura que não se senta com “ladrões”… excepto quando tem mesmo de o fazer. É como aquele adolescente que jura que nunca mais fala com um colega, excepto quando precisar dos apontamentos para o teste.
É o equivalente diplomático da famosa “demissão irrevogável” de Paulo Portas: começou com uma posição absoluta, moralíssima e cheia de convicção, mas acabou a descobrir que afinal o “irrevogável” vinha com porta de emergência.
O que ficámos a saber é que, para Ventura, a política externa de Portugal deveria ser conduzida com base num princípio revolucionário: o critério pessoal de simpatias e antipatias do Presidente. Um Presidente que decide quem recebe ou não consoante o "teste do humorzinho presidencial". Um Portugal transformado num episódio permanente de reality show: A Casa da República — Quem Entra, Quem Sai e a Quem o Presidente dá Ghost.
No fundo, o que Ventura nos está a dizer é simples: se você quer relações internacionais maduras, ponderadas e responsáveis… escolha outro candidato. Este prefere outra coisa. Prefere o país governado como se fosse um grupo de WhatsApp onde ele é administrador e tem o poder supremo de “remover participante”.
E sinceramente? É coerente.
Errado, perigoso e absurdamente infantil.
Mas coerente.
Afinal, quem é que precisa de diplomacia, quando pode gerir o país com a teimosia obstinada de um adolescente zangado?
Portugal merece melhor do que transformar Belém num grupo de WhatsApp moderado por alguém que confunde o palácio com a creche onde faz birras, mas lá acaba por aparecer para copiar os apontamentos.
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